A culpa não é minha

30 de Janeiro 2022 - 08h52
Créditos:

O desenvolvimento cognitivo e moral das crianças as impede de entender o quão é importante assumir responsabilidade por seus atos. É por isso que elas culpam os outros sempre quando se sentem pressionadas.

Há adultos que não evoluem e mantêm, em diferentes momentos e situações, o mesmo comportamento infantil, não assumindo responsabilidades. A postura é por demais comum entres gestores públicos. Parece ser um dado da essência deles. Candidatam-se a um cargo executivo e, logo que assumem, passam a buscar alguém para dividir com eles ou assumir sozinho a missão de ser culpado pelos males da cidade ou do estado ou do país.

Nunca tive pendor para ser homem público. Sou franco demais em minhas relações e sempre digo o que quero diretamente a qualquer um, deixando o caminho aberto para continuar dizendo... No campo político isso se chama de sincericídio. Aqui no Brasil, dizer o que pensa é assinar atestado de óbito político, pois por aqui quem tem princípio tem fim.

Brincar de prefeito, de governador ou de presidente pode ser fácil, se o caso for só rolar os problemas, pois o gestor não faz nada, põe a culpa de tudo o que há de ruim nos antecessores; qualquer dificuldade financeira que municípios e estados tenham, prefeitos e governadores buscam resolvê-la pedindo socorro ao governo federal.

O detentor do poder precisa, ensinou Maquiavel, procurar meios pelos quais o povo se torne dependente do governo e o seja fiel, pois nos momentos de adversidade, o povo o ajudará a manter-se no poder. Por isso, qualquer governante necessita da fidelidade do povo.

Como a manutenção do poder é o principal assunto abordado por Maquiavel, n’O príncipe, ele demonstra quais devem ser as posturas de um governante para tomar e manter-se no poder. Para tanto, o autor apresenta a substancial diferença entre o agir com ética cristã e o agir com ética política, dizendo como o governante deve atuar para manter-se no poder mesmo que para isso contrarie as regras morais vigentes.

Para Maquiavel, a virtú é a “qualidade do homem que o capacita a realizar grandes obras e feitos”. É o “poder humano de efetuar mudanças e controlar eventos” ; a fortuna, na mitologia grega, é a deusa que representa a sorte.  Os governantes não podem evitar a virtú e a fortuna – devem aproveitá-la, pois a ação política depende da conjugação de ambas. O político virtuoso é aquele que domina a fortuna, controlando a sorte.

Quem tem algum naco de poder precisa procurar meios pelos quais as pessoas se tornem dependentes dele e lhe seja fiel, pois nos momentos de adversidade, elas o ajudarão a manter-se no poder. Ou seja, é preciso manter a fidelidade daqueles que lhe garante o poder. Logo, o detentor do poder precisa procurar meios pelos quais o povo se torne dependente do governo e lhe seja fiel, pois nos momentos de adversidade ele o ajudará a manter-se no poder. Assim, é importante ter o apoio das bases.

Ter e manter mercenários em número muito grande é perigo constante, pois eles, ao enfrentarem as primeiras adversidades e ataques do adversário, pulam para fora da nau. Diz Maquiavel: “os mercenários querem muito ser soldados enquanto o príncipe não está em guerra, mas quando esta surge só pensam em fugir ou ir embora”. Isto ainda é muito corriqueiro na política moderna. Vendedores de promessas antes das eleições tornam-se preguiçosos, corruptos e incomunicáveis após o pleito eleitoral.

Manipular as pessoas para esconder as fraquezas e as mazelas de uma gestão é uma forma de tentar resguardar o poder.

Trabalhei com um diretor de Escola que gostava de transferir para os antecessores qualquer falha que fosse identificada em sua gestão.

Eleito como a encarnação da racionalidade administrativa e dos ventos democráticos, passou três dos primeiros quatro anos de mandato culpando as gestões anteriores pelas moléstias da instituição, pois assim se eximia de fazer o que tinha de ser feito. E nunca esqueceu de lançar fatias de carne para os cães mercenários se esbaldarem, enquanto o grosso do orçamento era utilizado em prol dos apaniguados.

A lógica cafajeste vem de cima para baixo, mas também atua de baixo para cima.