Uerj pagou R$ 5 milhões a parentes e amigos de procurador e esposa

15 de Março 2023 - 11h03
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A esposa, a sogra, o cunhado, ex-sócios e até um ex-personal trainer do procurador da Uerj Bruno Garcia Redondo aparecem em uma lista de 18 pessoas que receberam, em pouco mais de um ano, R$ 5 milhões em verbas públicas para bolsas de pesquisa sob suspeita.

Os pagamentos estão registrados nas chamadas folhas secretas da Uerj, reveladas pelo UOL em 2022. Elas listam valores pagos, sem transparência, em projetos de extensão financiados com recursos do governo entre janeiro de 2021 e agosto de 2022. Parte desses dados se tornou pública após o Tribunal de Contas do Estado do RJ ter solicitado as folhas de pagamento à Uerj.

Considerado um dos homens mais poderosos junto à reitoria da Uerj, o procurador Redondo foi coordenador em dois desses projetos. Por eles, recebeu R$ 375,5 mil brutos, entre junho de 2021 e agosto de 2022, sem contar seu salário mensal de mais de R$ 20 mil.

A esposa do procurador, a também advogada Fernanda de Paula Fernandes de Oliveira, recebeu R$ 180 mil brutos em um desses projetos. Funcionária comissionada da Secretaria Estadual de Agricultura, ela foi nomeada para um projeto de inovação em escolas públicas.

Além de Fernanda e Redondo, a Uerj também pagou bolsas a parentes e amigos do casal.

  • Mãe de Fernanda e sogra de Redondo, a funcionária pública Leila Maria de Paula Valim recebeu repasses de R$ 202 mil* em projeto com jovens infratores.
  • Padrasto de Fernanda, o marceneiro Esrael Gomes Valim recebeu R$ 208 mil em projeto ligado à segurança pública. O irmão dele, Elias Gomes Valim, também aparece na lista, com R$ 158 mil pagos em um projeto com jovens infratores.
  • Tios de Fernanda, os advogados Márcia Cristina Fernandes de Oliveira e Lorival Almeida de Oliveira receberam R$ 138 mil e R$ 394 mil, respectivamente.
  • Irmão de Fernanda, Filipe de Paula ganhou R$ 394 mil. Ele trabalha na Procuradoria do Município de Belford Roxo, onde recebe salário de R$ 2.400.
  • Ex-personal trainer de Redondo, Anderson Lima Tuller recebeu R$ 406 mil para, segundo ele, participar de banca de seleção de profissionais dos projetos, aplicando questionários e auxiliando em relatórios.
  • Ex-sócios de Redondo, os advogados e irmãos Gustavo Junqueira Carneiro Leão e Tiago Junqueira Leão também foram pagos em projetos com folhas secretas. O primeiro recebeu R$ 509 mil. E Tiago, cerca de R$ 143 mil.

(* Todos pagamentos citados na reportagem se referem aos valores brutos, informados nas folhas de pagamento da Uerj. Outras pessoas do círculo do procurador e sua esposa também foram contempladas com bolsas; veja a lista completa e os valores no infográfico mais abaixo)

O procurador Bruno Garcia Redondo nega que tenha tido influência nas nomeações.

Embora tenha atuado como coordenador de Relações Institucionais nos dois projetos em que a maioria dos parentes e amigos do casal esteve alocada —de segurança pública e sócio-educativo—, o procurador diz em nota que as contratações só podem ser feitas pelo coordenador-geral, que não era o seu caso.

Redondo confirma, porém, que divulgou as vagas para toda a sua rede de contatos.

Como conhecido professor há mais de 15 anos de duas renomadas faculdades, de minha parte sempre ajudei e continuarei ajudando na divulgação de todas as oportunidades acadêmicas, profissionais e de estágio que eu tiver conhecimento. Tenho dois perfis no Instagram, o maior deles com mais de 135 mil seguidores e mais de 13 mil contatos gravados em minha agenda telefônica, razão pela qual enviei, envio e continuarei enviando avisos de seleções (por mim não conduzidas) por redes sociais, lista de transmissão e grupos de WhatsApp aos meus mais diversos círculos de contatos (colégio, faculdade, pós, trabalho, serviço público, concursos, cursinhos, advocacia, amigos, família, esporte, academia, igreja etc). Bruno Redondo, procurador da Uerj, em nota ao UOL

Também em nota, a Uerj afirma que as bolsas foram extintas em 2022 e que os contratados tinham experiência profissional compatível com as funções que exerceram nos respectivos projetos.

Os bolsistas alegam que prestaram serviços à universidade e que passaram por um processo simplificado de seleção —o qual não é público. Pelas regras da Uerj, eles não foram obrigados a cumprir carga horária.

Uerj muda regras sobre nepotismo
Um dia após o UOL procurar os parentes da esposa do procurador (veja mais abaixo), a Uerj mudou regras sobre combate ao nepotismo na universidade.

A nova norma estabelece que não configura nepotismo se não existir "subordinação funcional ou hierárquica direta entre as nomeadas ou entre as nomeadas e a autoridade nomeante".

Autoridades nomeantes, diz a Uerj, "são apenas o reitor, pró-reitores, superintendente geral de Projetos Especiais e/ou coordenador geral de cada projeto".

Redondo, portanto, não se enquadra.

O que diz o STF? No setor público, é proibida a contratação de parentes —inclusive sogra e cunhado— de pessoas com cargos de chefia ou assessores.

Mas o tema não é pacificado nos tribunais. Em decisão de 2018, o ministro Alexandre de Moraes disse que o nepotismo só é caracterizado quando o contratado é subordinado a quem contratou.

Por outro lado, há entendimentos recentes do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de que, se houver a "potencialidade de influência" do servidor na contratação, não há necessidade de subordinação para que o nepotismo seja caracterizado.

Apesar de nenhum dos casos indagados ser ilegal, em dezembro/2022 a Reitoria criou regras mais rígidas do que a própria legislação e trouxe proibições de parentesco em projetos.Nota da Reitoria da Uerj ao UOL

Com informações do UOL