[Repost] Entrevista Sargento Santana, “O Imortal”

23 de Janeiro 2023 - 23h05
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Quantas pessoas você conhece que sofreu um acidente aéreo e sobreviveu para contar a história? E destas pessoas, quantas saíram ilesas? E ainda passaram pela mesma experiência em poucos dias?

Pois bem, em Natal temos o caso do sargento da Força Aérea Brasileira (FAB), Otacílio Santana, também conhecido como “O Imortal”. O primeiro acidente com ele abordo aconteceu em 9 de agosto de 1965, quando uma B-26 do 1º/5º Grupo de Aviação, de matrícula FAB 5151 caiu em uma praia urbana de Natal. Já o segundo, ocorreu com outra B-26 de matrícula FAB 5153, no dia 25 do mesmo mês e ano, no município de Niquelândia, no estado do Goiás.

P-47: O que o senhor fazia na Força Aérea Brasileira?

Sgt Santana: Na época do acidente? Bem, eu era sargento especialista em armamentos, por isso, estava a bordo do avião.

P-47: Qual era este avião?

Sgt Santana: A aeronave era um B-26, um avião da época da segunda guerra, mas muito utilizado aqui no Brasil. Não era tão grande como a fortaleza voadora – a B-17 – mas era usado como bombardeiro e tinha metralhadoras também. Aqui, tinha o 5º Grupo de Aviação (1º/5º Gav), que auxiliava na formação dos aspirantes.

P-47: Quem estava no avião?

Sgt Santana: O comandante era o capitão aviador Peixoto (Adolfo Peixoto de Melo), o tenente Carlos Schimidt (Carlos Schimidt Filho) e eu, como sargento especialista.

P-47: Como foi o dia antes de acontecer o acidente?

Sgt Santana: Era um dia normal na Base Aérea de Natal. Voamos pela manhã, cumprindo missão de treinamento no campo de Capim de Macio. Neste local, tinha umas bandeiras enormes que serviam de alvo. O piloto ganhava altitude, realizava um mergulho para simular o ataque e logo em seguida subia novamente. Lembro que na manhã, eu questionei o comandante se não iríamos levar o material de salvamento no mar e rispidamente ele me respondeu que “íamos voar em terra e não no mar”. Lembro muito bem que teve essa indisposição comigo momentos antes.

P-47: O que aconteceu em seguida?

Sgt Santana: Na parte da tarde, fomos continuar o treinamento e chegamos a realizar alguns mergulhos – três bem sucedidos – , mas em um deles assim que o comandante tentou recuperar a altitude, os motores pararam ao ponto de ter velocidade apenas para ultrapassar as dunas e ele virar para a esquerda em uma curva bem aberta, em direção onde hoje tem a Via Costeira.

P-47: Os dois motores pararam de uma vez?

Sgt Santana: Sim. Logo ficou um silêncio e bateu uma sensação, que não sei explicar bem. Me sentei no meu assento e me amarrei [colocou o cinto]. Mas sim, as duas hélices pararam.

P-47: Quem tomou a decisão de tentar um pouso na água?

Sgt Santana: O comandante comunicou que estava sem os motores e iria tentar levar a aeronave até um descampado na Barreira Roxa – onde hoje existe o hotel do Senac Barreira Roxa. Neste local tinha um descampado com uma areia avermelhada bem dura, que poderia receber um pouso de emergência. Mas o avião ganhou muita velocidade ao perder altitude e passamos muito rápido quando chegamos neste local, ao ponto que vimos o farol de Mãe Luiza passando ao nosso lado esquerdo.

P-47: Nos jornais da época, cita que a aeronave desviou do farol de Mãe Luiza para não se chocar, então isso não ocorreu?

Sgt Santana: Com certeza paramos muito próximo ao farol, mas como eu disse, o piloto mal tinha controle do avião, então não foi bem assim que aconteceu.

P-47: E como o piloto decidiu pousar na água?

Sgt Santana: Ele tinha dito que iria pousar em terra, então nos preparamos para o impacto. Quando ele disse que não iria conseguir pousar ali onde esperávamos, e falou em jogar na água pois não tinha o que fazer mais, me deu um medo muito grande, principalmente, porque não estávamos com os equipamentos de salvamento para água e eu pensava muito nos coturnos, que dificultavam muito para nadar. O B-26 ia muito rápido e baixo, que ao passar pela Ponta do Morcego quase arrancamos o telhado de um restaurante muito conhecido na época. Foi tão rápido a decisão que agi por instinto.

P-47: O que aconteceu quando vocês caíram na água?

Sgt Santana: Com a experiência de quem já caiu na água e na terra, eu afirmo que na água o impacto é muito maior. Em terra, o avião bate e desliza e na água é como bater em muro de concreto (Em 25 de agosto de 1965, no município de Niquelândia, o sgt Santana estava a bordo de outro B-26 que se acidentou, apenas 14 dias após o primeiro acidente). O avião bateu e o piloto ainda tentou virar o nariz em direção à praia, que estava a uns 200 metros de nós. Senti o impacto e por algum tempo – pouco tempo – fiquei desorientado ao ponto de afundar alguns metros na água ainda dentro do avião. Minha preocupação era as botas, mas não deu tempo de tirar e ainda estava preso pelo cinto, quando consegui me soltar e procurar uma saída.

P-47: Ao chegar na superfície você viu os outros tripulantes?

Sgt Santana: Quando cheguei na superfície vi o capitão e o aspirante – que tinha sido promovido a tenente dias antes -, e o capitão disse que não sabia nadar, mas de algum modo estava boiando, então decidimos ir nadando até a praia. Me lembro que foquei em chegar na margem e nadei com todas as forças, contudo, o mar estava “brabo”, com algumas ondas e era como se não conseguíssemos avançar. Eu vi umas pedras e queria a todo custo chegar lá, pois na minha cabeça eu conseguiria me agarrar e tirar as botas, que nesta altura já estavam cheias de água e pesadas.

P-47: O senhor conseguiu chegar a esta pedra?

Sgt Santana: Há poucos metros de chegar e já com algum cansaço, eu percebi três homens se aproximando de mim no mar, eram pescadores da praia que viram o acidente e vinham me ajudar. Um ou dois deles, disse logo para o outro não se aproximar, pois havia o receio de que eu puxasse eles para baixo e todos se afogariam. Ora, eu que tinha experiência de nado em açude quando criança, que atravessava um rio com a roupa na cabeça para não molhar, cuidei logo de dizer que sabia nadar e pedi ajuda só para tirar as botas. Eles me ajudaram e acho até que um deles me ajudou a nadar para fora da água.

P-47: Gostaríamos de agradecer ao senhor pelo relato. E saber como foi sua recuperação?

Sgt Santana: Fui para o hospital e depois para casa, onde passei 10 dias. Logo em seguida entrei em missão de novo, foi quando houve a segunda queda, desta vez em Niquelândia/GO. Ganhei o apelido de “O Imortal”(risos).

Nota do Blog: Em dezembro de 2021, o blog enfrentou problemas técnicos e perdeu o banco de dados das matérias publicadas até então. Em agosto, um dos posts de maior número de visualizações foi a história do B-26 “Invader” que havia caído na praia de Areia Preta. Depois de muito tempo, conseguimos recuperar o texto com o relato e a entrevista com o sobrevivente, que repostaremos.