Grupo de Winter previa ser preso antes de acampamento, diz jornalista infiltrada

23 de Junho 2020 - 07h25
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Era 20 de abril quando Sara Giromini foi ao seu Twitter para anunciar a criação do "maior acampamento pelo fim da corrupção e da esquerda no Brasil". A jornalista Jessica de Almeida resolveu então se infiltrar no canal recém-criado no Telegram, aplicativo de troca de mensagens, para acompanhar a empreitada.

Dois meses depois, Sara e outros integrantes do acampamento, apelidado 300 do Brasil, estão presos, fruto de um inquérito aberto pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para apurar atos antidemocráticos em Brasília. Agora a PGR investiga quem financiou o grupo.

Jessica acompanha Sara Giromini, também chamada de Sara Winter, nas redes sociais desde que a militante integrava o grupo ucraniano feminista Femen, em 2012. A guinada conservadora de Sara nos anos seguintes chamou ainda mais a atenção da jornalista, especialmente pela candidatura frustrada a deputada federal em 2018, pelo DEM do Rio de Janeiro. Desde então, ela manteve a militante no radar.

Ao se infiltrar no projeto de Sara, Jessica diz ter se impressionado com o que viu. Em poucos dias, o grupo do Telegram somava mais de três mil pessoas, e a organização alertava os participantes de que eles deveriam dar "suor e sangue" no objetivo de "exterminar a esquerda" e se preparar para entrar em confronto físico se fosse preciso. Já se falava na possibilidade de prisão.

— De início eram objetivos bem generalistas, falando sobre proteger a soberania popular e tal. Mas passei a ficar mais de olho quando compartilharam um documentário sobre um cara da Primavera Árabe. Aí eu vi que eles estavam formando pessoas para ir a Brasília, dar suor e sangue, encarar a possibilidade de irem presas, tudo isso aliado a uma espécie de formação. E tinha esse jogo de palavras: você não é militante, você é um militar — diz Jessica.

O documentário a que a jornalista se refere chama-se "Como iniciar uma revolução". As táticas de guerra se tratam dos "198 métodos de ação não violenta", de autoria do americano Gene Sharp, divulgados no site do ideólogo de direita Olavo de Carvalho, influenciador do presidente Bolsonaro e de seus filhos. As discussões de seus integrantes passam ainda por ações que vão desde a confecção de pôsteres, folhetos e panfletos até o "assédio não violento" e a pretensa instituição de um governo paralelo.

Segundo Jessica, o discurso ganhava um tom mais "estranho" na medida em que os detalhes sobre o suposto treinamento, pré-requisito para se unir ao acampamento de Sara, iam sendo divulgados. Os organizadores informaram aos participantes que não poderiam levar celulares para os treinos, realizados a partir de 27 de abril, e que o endereço não seria divulgado previamente.

— Isso para mim foi um sinal de alerta maior, sabe? Falavam para os participantes usarem roupas confortáveis para entrar em combate com outras pessoas. Naquele fim de semana as enfermeiras e o fotógrafo Dida Sampaio foram agredidos e eles (grupo de Sara) publicaram que aquilo era só o começo, que eles iam aumentar o tom. Aí eu falei "opa, isso está ficando sério" — afirma Jessica.

Jessica de Almeida denunciou o caso à Polícia Civil de Brasília. Com receio de ser perseguida, ela aceitou ajuda do policial Leonel Radde, do Rio Grande do Sul, para assumir a denúncia no Ministério Público. Radde é conhecido por integrar o movimento antifascismo. Naquela mesma semana, ela foi ao Twitter para relatar o que tinha presenciado. A série de tuítes (thread) foi compartilhada milhares de vezes.

— O grupo (dos 300 do Brasil no Telegram) morreu depois da minha thread. As últimas mensagens que foram deixadas eu considerei como um movimento de assumir a autorida das agressões daquele último fim de semana — diz ela.

Por dentro do grupo do Telegram

Os organizadores do acampamento faziam ressalvas em relação ao treinamento que dariam aos interessados, segundo mensagens do aplicativo a que O GLOBO também teve acesso. "O termo 'guerra não violenta' não significa desarmamentismo", escreveu um organizador anônimo em 21 de abril, "mas parte do pressuposto de que, numa ditadura as armas são retiradas da população, então faz-se necessário desenvolver técnicas que não utilizam armas e que sejam acessíveis a todos".

O Globo