Golpe do Amor: 96% dos sequestros em SP são por aplicativo de namoro

09 de Janeiro 2024 - 11h06
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Em 2023, dos 51 casos de sequestro na maior cidade do país, 49 ocorreram por meio de aplicativos de namoro. Todos eles ocorreram com homens.

Na maioria das vezes o app usado é o Tinder, mas também há registros de sequestro via Inner Circle e Happn.

Os dados são da Divisão Antissequestro de São Paulo e foram confirmados pela Secretaria de Segurança Pública.

Essa modalidade de sequestro, hoje, é predominante e equivale a 96% dos casos. Em números absolutos, 2022 foi o ano com maior número de sequestros iniciados via app de namoro — 115 ao todo. A proporção em relação ao total estava próxima a 90%.

Em nenhuma outra capital brasileira acontecem tantos crimes a partir de apps de namoro, o que torna o "golpe do amor" um crime tipicamente paulistano.

A criação do PIX, a facilidade de acessar contas bancárias por aplicativos e a popularização dos apps de relacionamento alteraram o modus operandi das quadrilhas.

Desta forma, a vítima é levada para um cativeiro, mas é libertada dias depois, quando não há mais dinheiro para tirar dela. Os criminosos não exigem resgate.

"[Em sequestros via app de namoro] O criminoso pode preparar a armadilha; ele controla tudo. Não é como ter de entrar em contato com a família e pedir dinheiro para libertar. É mais fácil", explica Guaracy Mingardi, analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Exatamente por isso, Guaracy acredita que os números devam ser ainda maiores.

"Nem todo mundo presta queixa porque a pessoa fica com vergonha, acha que vai passar por trouxa. Se no caso do roubo simples a subnotificação é de 40%, imagina num golpe desses", pondera.

Como agem as quadrilhas
A selfie de uma loira com um cropped decotado, marquinha de biquíni e shorts jeans foi usada de isca em um dos casos registrados pela polícia em 2023. "Gabriela" era o nome do perfil, mas quem trocava mensagens com a vítima era um criminoso.

A moça da foto não faz parte da quadrilha e nem imagina que sua foto foi usada em um crime.

Um mesmo perfil, "Lais Olive", foi usado mais de uma vez para atrair homens. A quadrilha também usava indevidamente fotos de uma mulher que não estava envolvida no delito.

O delegado da Divisão Antissequestro, Fábio Nelson Fernandes, comentava com colegas policiais quando ela aparecia em um caso: "Lais está aprontando de novo?".

Depois da troca de mensagens por app, a conversa migra para o WhatsApp.

O papo serve para descobrir mais coisas sobre a possível vítima, detalhes sobre sua condição financeira e stalkear suas redes sociais.

"Todos os casos que acompanhamos foram de vítimas homens com idades entre 25 a 60 anos", quase sempre solteiros, preferencialmente entre 30 e 40 anos e com boa condição financeira, explica o delegado Fernandes.

As conversas entre a vítima e a suposta pretendente giram em torno de amenidades, com gentilezas e perguntas sobre o dia da pessoa, com "bom dia" e "boa noite".

Muitos marcam o encontro em um lugar público para se precaver. "Mas, em cima da hora, a mulher inventa uma desculpa, diz que o pneu furou e que o homem precisa buscá-la em casa", detalha o delegado Fernandes.

Chegando ao local, a pessoa é abordada por criminosos e feita refém. Dá voltas em um carro ou é levada para um imóvel.

Enquanto é mantida em cativeiro, os bandidos fazem transações bancárias via PIX e compras por cartão de crédito.

Em geral, o sequestro dura entre dois e três dias. Dos 164 casos de 2022 e 2023, cinco vítimas morreram por reagirem ao sequestro.

Quando há mulheres nas quadrilhas - muitas vezes namoradas de um dos bandidos —, ela usa sua própria foto. Acontece de mandar áudio e fazer chamada de vídeo com o homem, o que dificulta a percepção do perigo.

Segundo a advogada Bruna Bezerra Federsoni, quem for vítima do "golpe do amor" tem o direito de reaver o dinheiro.

"Tive dois casos, um em Osasco [Grande São Paulo] e outro em Pirituba [zona norte da capital], em que houve gastos no cartão de crédito com máquinas ilegais, em regiões que a pessoa não frequenta, horários em que não compra e com valores que não gasta. O banco falhou, já que promete um sistema antifraude quando os serviços são contratados", explica.

Ela ressalta, porém, que é mais difícil conseguir o dinheiro do PIX de volta por envolver outro sistema, que vai além ao do banco.

Com informações de UOL