
O Adam Smith foi o primeiro grande pensador a discorrer sobre o mercado como catalisador da eficiência e da produtividade econômica.
Para ele, o egoísmo é algo inerente ao ser humano.
Esta falha, porém, não é inteiramente negativa, visto ser por meio do egoísmo que todos os homens de negócios se engalfinham na tentativa de vender suas mercadorias, precisando, para atingir o objetivo, agradar aos consumidores.
Mais de um século depois que o pai da Economia escreveu a sua mais importante obra (A Riqueza das Nações), que influenciou dez entre dez economistas, o francês Émile Durkheim elegantemente ajustou, do ponto de vista sociológico, a tese do pensador escocês.
Durkheim diz que nas sociedades mais simples e mais homogêneas há uma integração equilibrada entre as partes porque existe pouca diferença entre elas, prevalecendo a solidariedade mecânica, que não exige uma reflexão intelectual ou uma escolha. Neste tipo de sociedade, o grau de coesão social é muito alto, sendo improvável que um indivíduo sinta-se perdido e sem direção no mundo. O “sentido do nós é superior ao sentido do eu”, diz o mestre francês. A coesão é garantida por um conjunto de princípios (uma moral) e um conjunto de regras e normas (um direito), cuja função é punir os indivíduos que ao transgredirem ofendem a toda a sociedade.
No mundo moderno e contemporâneo, os vínculos entre os indivíduos são mais esgarçados e, aí, ninguém mais sabe com certeza o seu lugar ou em que direção seguir, como se nada mais os ligasse. Numa sociedade assim predomina a solidariedade orgânica, produto das diferenças trazidas pela nova divisão social do trabalho. A solidariedade persiste, mas ela é fruto não da igualdade e sim da diferença. Os homens continuam sendo obrigados a obedecer regras e normas. No entanto, as faltas cometidas pelos indivíduos não afetam a sociedade como um todo.
Nas relações econômicas, cada um dos agentes envolvidos deseja cravar o punhal nas costas do outro: “Há, nessa exploração do homem pelo homem, algo que nos ofende e nos indigna”. O egoísmo do homem será podado, conforme preceitua Durkheim, pela vida em sociedade, que o obriga a respeitar os interesses dos outros e as instituições. Sendo assim, as regras morais garantem à sociedade um princípio de justiça.
Se o mercado é, no mundo atual, a arena social por excelência, é para ele que todos devem voltar a atenção, pois é ali que ocorre a maior parte dos conflitos e é ali que mais claramente percebe-se como não é possível viver sem a cooperação de todos. Logo, diria Durkheim, o mercado precisa de uma ética mais forte que a lógica econômica, pois deixado ao sabor dos acontecimentos e dos imperativos individuais, ele não tem limite e ameaça a vida social.
O problema de Durkheim é, guardadas as devidas proporções, o mesmo de Karl Marx quando este sugere algo para pôr no lugar do capitalismo.
O alemão propôs um mundo idílico de extinção das desigualdades sociais que se configurou num mundo de opressão política e de pobreza econômica. O francês sugeriu uma espécie de ressurreição corporativa, onde pudessem conviver, de mãos dadas, patrões e empregados. A sua ideia resultou em algo daninho, rico economicamente mas politicamente opressor, pouco menos de duas décadas depois de sua morte.
Como críticos do funcionamento do sistema os dois são geniais, mas não conseguiram fazer a transposição de críticos para formuladores de uma nova ordem.
A ideia smithiana de um mercado livre ainda é, tirando os excessos e mirando na eficiência produtiva, o caminho mais promissor. Urge, entretanto, estipular os limites do mercado por meio da construção de marcos reguladores, a melhor ferramenta para manter a eficiência econômica sem descambar para a um quadro anômico, permitindo a sobrevivência de uma ética do egoísmo, instrumento propulsor dos ganhos de produtividade e, por tabela, da efetivação do crescimento econômico, com institutos que deem proteção aos agentes econômicos mais frágeis.