Presunto artesanal potiguar alcança mesmo padrão do melhor do mundo

29 de Junho 2025 - 10h24
Créditos: Alex Regis

 

Nas terras macaibenses, vizinho à Natal, um aroma singular percorre a propriedade rural do empresário Mano Targino. É onde repousam por até 18 meses as patas traseiras de uma linhagem especial de porcos pretos, da mesma raça ibérica usada para produzir o cobiçado “jamón pata negra” espanhol, considerado o melhor presunto do mundo, que em nada se assemelha ao alimento ultraprocessado vendido nos supermercados. Longe do alvoroço da cidade, a iguaria que poderia facilmente estar em mesas sofisticadas da Itália, Espanha ou Portugal é produzida na Pata Negra Country, onde recentemente também passou a ser produzida uma das melhores goiabadas do país, a goiabada cascão artesanal, de Minas Gerais.

No RN, o presunto artesanal recebe o nome de “Presunto Cru Cangaíra” – em virtude da patente europeia – e se consolida como um dos mais raros e refinados do país, conquistando paladares exigentes e se estabelecendo como um dos mais surpreendentes do gênero. A propriedade atrai, inclusive, o turismo gastronômico.

Mano Targino explica que segue o mesmo rigor das técnicas seculares europeias para produzir o Cangaíra. A carne vem exclusivamente da parte traseira do porco preto — a mesma raça utilizada na produção europeia. A diferença é que, sob o calor e a umidade nordestina, o sabor do “Velho Mundo” foi adaptado, aprimorado e, sobretudo, nacionalizado. “É sal e paciência”, resume Mano, com a precisão de quem já percorreu duas décadas na arte de transformar carne suína em joia gastronômica.

O diferencial está no detalhe. Se na Europa a cura ocorre em cerca de 12 meses, graças ao clima ameno e seco, no RN são necessários até 18 meses para atingir o mesmo ponto. Além disso, Mano optou por substituir, em 2021, todas as matrizes da raça Large White — tradicional em Parma — por porcos da raça preta, os mesmos criados no norte de Portugal e sul da Espanha. “Eu produzo tudo aqui. Tenho a criação de porcos da raça preta, que tem a pata preta, por isso recebe esse nome. Utilizo a pata traseira, que eu acho mais saborosa do que a dianteira”, revela.

A escolha da raça foi mais do que estética ou gustativa: foi estratégica. “Na Europa os animais passam seis meses comendo a ração, milho, soja, e nos últimos dois meses a belhota, ou bolota, um tipo de castanha que cai da azinheira, árvore nativa da Península Ibérica. Isso valoriza muito o presunto, que pode chegar a 1.800 euros o quilo. No entanto, segundo Mano, a diferença real de sabor é mínima. “Se eu servisse aqui dois presuntos, um com e outro sem a bolota, dificilmente você saberia qual é qual. Mas o marketing deles é fortíssimo”.

A produção de presunto também é controlada. Em anos com menor demanda, como 2024, Mano diminui a criação. Em média, são produzidas 200 a 240 peças por ano. Cada porco rende duas patas, e o peso final varia: começa com 14 quilos e termina com cerca de 6 quilos após a cura. A produção não é sob encomenda, mas é limitada.

Hoje, o produtor oferece dois tipos principais de presunto cru: um mais macio e cru, semelhante ao prosciutto italiano, e outro mais curado, ao estilo espanhol e português. “O cliente que conhece, escolhe o tipo que prefere. A diferença está no tempo de cura e na maciez da carne”, detalha Mano. A maturação mais longa dá ao presunto nacional um sabor mais tenro, com menos umidade e maior concentração de sabor.

Turismo gastronômico

Além da venda, Mano transformou a fazenda em destino de turismo gastronômico rural. Ali, entre a cave subterrânea e um mirante com vista para a vegetação de Macaíba, ele recebe grupos — sob agendamento — para almoços exclusivos. O ambiente replica a atmosfera europeia, mas com identidade sertaneja: paredes de tijolos aparentes, barris antigos e utensílios artesanais compõem o cenário.

A divulgação é feita pelo instagram da propriedade. Mano conta que há meses em que a maior parte dos visitantes vem de fora, mas a experiência é sempre a mesma: conhecer, degustar e valorizar os produtos da terra. “Não é restaurante aberto. É só por reserva, no mínimo oito pessoas. Tem mês que vem só gente de fora, e tem mês que é só gente daqui”.

O cardápio inclui iguarias preparadas com os próprios produtos da fazenda e uma verdadeira imersão no processo de produção. “As pessoas descem na cave, veem o presunto maturando, sobem para almoçar com vista para o campo. É uma experiência que vai além do paladar.”

Com informações de Tribuna do Norte