UOL: Fugas inéditas trincam cristal da invulnerabilidade da cana federal

15 de Fevereiro 2024 - 07h26
Créditos: Divulgação/Ministério da Justiça

A Secretaria Nacional de Políticas Penais, vinculada ao Ministério da Justiça, exibe com orgulho um tambor eletrônico. Quem procura no site da repartição informações sobre o Sistema Penitenciário Federal, inaugurado há 18 anos, esbarra na seguinte apoteose: "Desde a sua criação, é referência de disciplina e procedimento, uma vez que nunca houve fuga...".

Nesta Quarta-Feira de Cinzas, a celebração da pasta da Justiça continuava no ar. Será necessário silenciar os fogos. Já não há uma, mas duas fugas. Escaparam do presídio federal de Mossoró dois bandidos do Comando Vermelho. O estrondo produzido pela novidade mostrou que um tambor, mesmo quando faz muito barulho, não deixa de ser vazio por dentro.

Inspiradas no modelo norte-americano da supermax, uma cadeia que ultrapassa o estágio da segurança máxima, as cinco prisões federais brasileiras foram idealizadas para abrigar os piores do que há de pior na carceragem nacional. Bandido que entra numa cela desse sistema passa a ter um mísero objetivo na vida: fugir de lá.

A obsessão de quem vigia os presos é impedir as fugas. O duplo vexame de Mossoró entra para a crônica do crime no Brasil como mais um triunfo da bandidagem sobre o Estado. Planejadas ou oportunistas, as fugas acenderão na alma dos hóspedes do sistema carcerário federal o sonho de repetir o feito em outras prisões tidas como inexpugnáveis.

Em 2006, ano em que Lula inaugurou o primeiro presídio federal, na cidade paranaense de Catanduvas, Marcola, um bandido de mostruário, prestou depoimento a uma delegação da CPI das Armas. Foi ouvido na cadeia paulista de Presidente Prudente. No final, o mandachuva do PCC pediu: "Posso fazer uma pergunta? Pode ser em off, entre nós?"

Com o gravador desligado, Marcola indagou: "Como é o regime de Catanduvas?"

Confidenciou aos parlamentares que temia virar um "morto-vivo". No primeiro mês de Lula 3, descobriu-se um plano mirabolante do PCC para libertar Marcola. Apertaram-se alguns parafusos frouxos. E o então ministro Flávio Dino ordenou a transferência do zumbi do PCC de um presídio federal, em Porto Velho, para outro, em Brasília.

Há duas semanas, assumiu a pasta da Justiça o ex-ministro do Supremo Ricardo Lewandowski. Ou percebe que os responsáveis pelas fugas de Mossoró merecem ganhar, eles próprios, vagas em celas federais, ou se arrisca a avacalhar uma das poucas coisas que funcionavam na área da segurança pública. O cristal da invulnerabilidade da cana federal trincou.

Com informações do UOL