O dia 11 de dezembro de 1941 marcou a história de Natal. Nesse dia, chegava na atual Rampa – então base naval americana de hidroaviões – às margens do Rio Potengi, o esquadrão VP-52, o primeiro efetivo militar declarado dos EUA no Brasil para atuar na defesa da costa durante a guerra. Junto com pilotos, tripulantes e mecânicos, também desembarcou um efetivo de Marines, os fuzileiros navais da U.S. Navy.
A missão desses homens era garantir a segurança do perímetro da base, dos equipamentos e militares. Junto com o VP-52, a Navy enviou 50 fuzileiros navais do 18th Provisional Marines, conforme consta em documento do consulado americano em Natal, datado de janeiro de 1942. Esses homens ficaram alojados temporariamente na Rampa e depois seguiram para um prédio público, na rua Seridó, número 419, segundo consta no livro “Natal USA” do escritor Lenine Pinto que indica este endereço e lembra que o local seria, a partir de 1945, o Colégio Sete de Setembro.
Rua Seridó, 419 (Foto: Reprodução)
A presença desse pequeno contingente provocou desconforto entre militares brasileiros, sobretudo do Exército e em especial na guarnição de Natal, comandada pelo general Gustavo Cordeiro de Farias. A situação foi grave e quase causou um incidente internacional, pois ao chegarem, os americanos foram impedidos de portar armas, pois havia o entendimento de que não poderiam entrar em solo brasileiro armados sem uma autorização prévia do Ministério da Defesa, apesar do Ministério de Relações Exteriores ter total conhecimento do fato. Parece que em pouco tempo o mal-entendido foi esclarecido, já que os Marines permaneceram em Natal.
O contingente de fuzileiros cresceu e junto com homens do Exército foram deslocados para Parnamirim Field, pois a base militar estava tomando forma e necessitando de mais atenção no tocante à segurança. Com ela, Natal estava se tornando ao longo dos anos 1940 um importante ponto estratégico do ponto de vista da logística, vital para o avança aliado na Europa, África e Ásia. Entretanto, o comando norte-americano na cidade não estava satisfeito com a quantidade de soldados destinados à defesa da base, muito menos com as medidas adotadas pelos brasileiros. Algumas situações despertaram o alerta entre os americanos o que motivou inúmeras correspondências do vice-cônsul dos EUA em Natal, Harold Sims, destinadas ao embaixador dos EUA, Jefferson Caffery, entre 1941 e 1942. (Saiba mais aqui!)
Os documentos tratavam de suspeitas de sabatogem, ataques e presença de espiões em Natal e nos arredores da obra de Parnamirim. Casos de incêndio na mata próxima ao hangar da Air France, no setor oeste de Parnamirm, onde o combustível de aviões era armazenado e a presença de um artefato identificado como uma bomba relógio encontrado no depósito da Standard Oil, próximo a Base Naval de Natal, ocorridos em agosto de 1941, foi motivo de preocupação entre os diplomatas.
Com o passar dos meses e o avanço da guerra, a situação da segurança em Panamirim Field ganhou ainda mais importância e atenção. Em julho de 1942, em ofício ao quartel-general do Comando Aéreo de Transporte da Ala do Atlântico Sul (South Atlantic Wing Air Transport Command – SAW / ATC), o general do Corpo Aéreo, Robert L. Walsh detalhou inúmeras preocupações.
Ele elenca cinco pontos preocupante, intitulando como; “a costa do Nordeste Brasileiro está indefesa conforme foi indicado pelos seguintes itens”. Walsh cita a ausência de bateria antiaérea, radar – sem aviso prévio de ataque – e sem uma unidade aérea de resposta e contra-ataque. Comenta também o armazenamento inadequado de combustíveis, citando a concentração de tambores em uma área pequena. Sobre os prédios, ele cita a falta de reforço estrutural – em especial nos hangares – explicando que os aviões ficam espalhados pela pista e sem qualquer camuflagem ou presença de trincheiras para defesa das edificações, frisando isso principalmente no próximo do QG. Interessante o general sugerir o uso de radares na defesa de Parnamirim, tendo em vista ser uma tecnologia recente à época.
No tocante as armas, ele volta a dizer que a guarnição de Natal está mal equipada, portando apenas 15 pistolas para 90 homens. Ele ratifica que reclamou ao general Cordeiro de Farias tal situação, ouvindo dele que nem as tropas brasileiras estava armada adequadamente para resistir a um ataque inimigo. Um relato pitoresco e irônico entre dois generais.
No mesmo memorando, Walsh comunica ao comando que adotou medidas emergenciais e outras a média prazo. De imediato, trocou o comando da base de Natal – Parnamirim Field –passando para o tenente coronel Jasper Bell, sem informar o nome do antecessor, e colocando o tenente-coronel Manuel J. Asensio como o responsável pela defesa do perímetro. Ordenou a dispersão das aeronaves pelo pátio, para evitar uma grande concentração e maiores danos em caso de ataque, bem como a distribuição dos tambores de combustíveis e providenciou a camuflagem dos prédios. Ele solicitou que cada oficial portasse pistolas e mais militares no local.
O general conclui o memorando falando da facilidade em montar uma linha defensiva ao redor de Parnamirim Field, pois se encontra em local isolado e distante do centro urbano, bem diferente do que se via em Recife, apesar que as duas bases estariam na mesma situação do ponto de vista de alvo para os inimigos. Por fim, ele pontua que já conversou com o general Gomes (Brigadeiro Eduardo Gomes) a respeito da necessidade de transferir uma unidade aérea de ataque da FAB para Natal e investimento em treinamento de pessoal, inclusive com a utilização de veículos leves de 1/4 de tonelada.
Parnamirim Field concluído (Foto: Acervo do autor)
A preocupação do general era justificada. Com o desenrolar da guerra, isso significaria mais cidadãos americanos passando ou servindo em Parnamirim Field, portanto, natural a necessidade de defesa e contra-ataques. Em pouco mais de um ano do memorando enviado à Embaixada pelo Consulado, o número de americanos passou para cerca de 6.000 morando em Natal, entre civis e militares (oficiais e soldados). No perímetro de Parnamirim as patrulhas eram feitas em conjunto entre militares americanos e brasileiros, bem como nos portões de acesso.
Como a base se manteve em Natal, algumas das medidas sugeridas tiveram que ser adotadas, mas ficaram bem abaixo da expectativa inicial. Não quer dizer que as autoridades estavam dando menos importância. Um fato é que os aliados conquistaram terreno na guerra, gradativamente, com o passar dos anos, sobretudo no norte da África, de onde os alemães poderiam planejar um ataque ou ocupação, bem como diminuíram os ataques de U-boots na costa brasileira a partir de 1943.
A Guarda Civil e a Polícia Militar
O que pouca gente sabe é que a Polícia Militar do Rio Grande do Norte (PMRN), uma instituição criada no século XIX, teve um papel na defesa da cidade do Natal em tempos de guerra. Na prática, conflitos envolvendo soldados pelas ruas e bares eram resolvidos pela Militar Police ou pelos Marines, mas contavam com apoio constante da PM. Há relatos, de prisões de suspeitos de espionagem conduzidas pela polícia local que também garantia a lei e a ordem nos ambientes públicos. Natal contava ainda com um grupo de voluntários que ajudava no patrulhamento e no envio de denúncias sobre sabotagens e espionagem. Era a Guarda Civil, que teve nomes conhecidos na cidade, entre eles, o escritor Câmara Cascudo que era auxiliar designado do Serviço de Defesa Passiva Anti-Aérea do RN.