Passagens aéreas, dentista e até manicure: inflação de serviços avança e preocupa o Banco Central; entenda

11 de Fevereiro 2024 - 08h40
Créditos: Agência Brasil

Depois de um ano sem aumentar preços, a microempresária Paula Rocha, dona de um salão que beleza que leva seu nome, no bairro de Perdizes, na Zona Oeste da capital paulista, reajustou em 10% o valor do serviço de manicure. Desde 1º de fevereiro, as clientes estão desembolsando R$ 44 para “fazer a mão”. No ano passado, o reajuste tinha sido menor, de R$ 2, ou seja, 5%.

“Aumentamos em 10% por causa de um montante (de reajustes): aluguel, serviço de lavanderia de toalhas, materiais – esmalte, acetona, lixa, envelope de autoclave –, IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e até a dose do café que eu sirvo aqui”, explica Paula.

Antes de o preço aumentar, as clientes foram avisadas, e somente duas reclamaram. Por enquanto, Paula diz que não sentiu um recuo no movimento, até porque a demanda está aquecida em razão do Carnaval.

Nas suas contas, seria necessário um reajuste maior, de 15%, para equilibrar o negócio. “Não fiz isso porque acho muito, já aumentei 10%.”

Já Claudio Florio, dono do Fix Atelier, de serviços de costura, também localizado em Perdizes, reajustou em 12%, em média, os preços dos mais de 200 serviços que presta. Em 2022, o aumento médio havia sido de 10%, mas ainda tinha restado uma defasagem de cerca de 8% entre custos e preços.

“Em 2023, consegui um reajuste de 12%, em média, e, como a inflação foi bem menor do que isso, recuperei os preços antigos”, diz Florio. Ele destaca que o aumento ocorreu, sobretudo, por causa da alta do valor da mão de obra, que representa metade dos seus custos.

Os aumentos dos preços promovidos por Florio e por Paula em 2023 foram captados pelo índice oficial de inflação do País, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Nos últimos 12 meses até janeiro de 2024, o IPCA fechou com alta de 4,51%, enquanto a inflação dos serviços subiu 5,62%.

Além das passagens aéreas, com aumento médio de 25,48% em 12 meses até janeiro de 2024, e do preço da hospedagem que ficou em média 10,86% mais alto no mesmo período – ambos relacionados à forte demanda em razão do fim da pandemia –, serviços de costura e de manicure se destacaram no ranking dos reajustes anuais, com aumentos de 8,07% e 7,82%, respectivamente.

Também constam na lista de maiores altas dos preços dos serviços, transporte por aplicativo (9,47%), aluguel de veículo (13,14%), pintura de veículo (8,98%), mensalidade de clube (9,11%), cursos regulares (8,36%), dentista (8,55%) e condomínio (6,81%). Todos esses aumentos foram superiores à inflação geral acumulada no período e também acima da inflação de serviços.

Nos últimos tempos, no entanto, o cenário para inflação como um todo tem ficado cada vez mais favorável. Por três semanas seguidas, projeções do mercado financeiro para o IPCA de 2024, captadas pelo Boletim Focus, do Banco Central (BC), recuaram e encerraram a primeira semana de fevereiro estáveis em 3,81%.

Apesar de as projeções indicarem perda de fôlego da inflação como um todo, existe uma preocupação com a alta de preços de serviços, que é alimentada principalmente pela recuperação do mercado de trabalho.

O ano de 2023 fechou com taxa média de desemprego de 7,8%, o menor resultado desde 2014. Há no País 100,7 milhões de ocupados, uma marca recorde. No ano passado, a massa real de rendimentos do trabalho ficou em R$ 295,6 bilhões, a maior da série do IBGE, com alta de 11,7% ante 2022.

Segundo o ex-diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), o economista Luis Eduardo Assis, a inflação de serviços não está tão tranquila quanto poderia. Isso porque, ela tem forte correlação com o desemprego, que está historicamente muito baixo, e com o nível de atividade que, por sua vez, depende da taxa de juros. “Isso que desanima o Banco Central a ser mais ousado no corte dos juros”, afirma Assis.

Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, houve um corte de 0,5 ponto porcentual na taxa básica de juros para 11,25% ao ano. A sinalização do BC é de que os próximos cortes sejam também dessa magnitude. Na ata da reunião, consta que o colegiado ficou mais atento ao cenário doméstico, aos reajustes salariais e ao impacto na inflação de serviços.

“O setor de serviços é realmente um desafio para a política monetária”, afirma André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Fonte: Blog do Gustavo Negreiros/ Estadão