
Já estou acostumado a ser apontado como fascista, machista, racista, homofóbico, entre outros elogios não muito nobres, tudo porque não rezo pela cartilha descolada dos que têm padrões morais pretensamente superiores, aqueles que se chamam de esquerda.
Semana passada vivi mais um momento desse, por meio de piadinhas e risinhos contidos.
Mas não vou falar de mim, afinal nada sou no jogo do bicho.
Vou tentar recuperar parte da vida de um artista que comeu o pão-que-o-diabo-amassou nas mãos dos patrulheiros de esquerda, que esquartejam e moem a reputação de qualquer um que se ponha à sua frente.
Wilson Simonal de Castro nasceu em 1938, no Rio de Janeiro. Negro e filho de uma empregada doméstica, passou pelas fileiras do exército e ali, como cabo, começou a cantar.
No final dos anos 1950 e início dos anos 1960, apresentou-se em festinhas com o grupo Dry Boys, quando foi descoberto por Carlos Imperial e logo a seguir por Luís Carlos Miéle e Ronaldo Bôscoli, passando a cantar em bares e casas de shows no Rio de Janeiro (https://ricmais.com.br/entretenimento/cinema/a-ascensao-e-a-queda-de-wilson-simonal/).
Em menos de cinco anos, Simonal, que era um cantor magnífico, com recursos vocais infinitos e personalidade musical insinuante, estava entre os artistas que criariam e consolidariam o que chamamos de música popular brasileira (MPB), com programa próprio na TV Record e liderando um movimento batizado como pilantragem.
Os seus sucessos (Meu Limão, Meu Limoeiro; Vesti Azul; Mamãe Passou Açúcar em Mim; Sá Marina; entre outros) tocavam nas rádios e TVs do país todo, levando-o ao topo da MPB.
No final da década de 1960, o negro Simonal era o artista da música mais bem pago do país e isso possivelmente o levou a acompanhar, em 1970, a seleção brasileira que ganhou o mundial de futebol no México. Chico Anysio, no filme-documentário Simonal – Ninguém sabe o Duro Que Dei, de 2009, dirigido pelo ex-Casseta & Planeta Cláudio Manoel da Costa, conta deliciosamente que, de tão ingênuo, o cantor acreditou que poderia ser incorporado ao elenco, inscrito como jogador.
A imensa popularidade do cantor, em virtude de sua facilidade em se comunicar com as massas e o assédio da imprensa, tornou Simonal um dos artistas preferidos do regime instaurado em 1964, o que irritava profundamente alguns setores esquerdistas da mídia e da classe artística brasileira. Simonal também era criticado por ser alienado, interessado em carrões e roupas de marca, por cantar músicas sem qualquer engajamento político e por ter casado com uma mulher loura.
O início do fim da carreira do líder da pilantragem ocorreu quando ele descobriu que estava sem numerário na conta do banco e atribuiu o fato ao seu contador, Raphael Viviani, dispensando sumariamente.
Demitido, o contador entrou com ação na justiça do trabalho, e Simonal chamou alguns amigos, entre eles agentes do aparelho repressivo do regime autoritário, para dar um corretivo nele.
Depois de ser sequestrado e torturado, o contador assinou confissão de que dera um desfalque nas contas do cantor. O que não se sabia era que a mulher denunciou o sequestro e convenceu o marido a abrir processo contra Simonal.
Condenado a cinco anos por extorsão e sequestro, Simonal ainda foi acusado, sem indício algum, por um oficial do exército, de ser colaborador do regime, o que destruiu sua carreira artística, pois praticamente todo o meio cultural do país passou a virar-lhe as costas. Poucas (Chico Anysio, Miéle, Elis Regina, Nélson Motta, entre outros) vozes se levantaram a seu favor.
Dois dos líderes do Pasquim, principal veículo propagador das acusações contra Simonal, Jaguar e Ziraldo nunca reviram suas posições. Aqui em Natal, em entrevista a uma TV local, Jaguar reconheceu que “exageraram um pouquinho”, e Ziraldo sempre disse que nunca havia sido verificada a veracidade das informações porque “nunca houve motivos para duvidar das fontes”.
Caído em completo esquecimento, Simonal só foi reabilitado em 2002, dois anos após a sua morte, quando, a pedido da família, a Comissão Nacional de Direitos Humanos da Organização dos Advogados Brasileiros abriu processo para apurar a veracidade das suspeitas de colaboração do cantor com órgãos de informação do regime de 1964. Segundo o então Secretário Nacional dos Direitos Humanos, José Gregori, em documento de 1999, não existiam registros de que Wilson Simonal tivesse colaborado com nenhum órgão de informação do aparelho repressivo (https://br.historyplay.tv/hoje-na-historia/morre-o-cantor-e-compositor-wilson-simonal).
É possível perceber no livro "Nem vem que não tem – a vida e o veneno de Wilson Simonal", de Ricardo Alexandre, que o cantor poderia ser usado como um fantoche pelo regime autoritário, cantando músicas alienantes ou só divertidas (País Tropical) ou até em prol do regime (Brasil, eu fico), porém não há referência alguma de pessoa que tenha sido denunciada por Simonal aos órgãos de segurança e repressão.
Simonal foi vítima de uma classe artística engajada e que exigia engajamento de artistas de sucesso e uma mídia superficial que se preocupava demais com manchetes e de menos com pessoas.
O resultado: a destruição moral e física de um artista de sucesso e de um ser humano, com virtudes e defeitos, que não cometeu o crime a ele atribuído.