Liberdade: por que e para quem?

07 de Março 2022 - 15h20
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No último 05/02, o vereador Renato Freitas, do Partido dos Trabalhadores (PT), e um grupo de manifestantes, com bandeiras do PT e do PC do B, invadiram uma igreja no centro histórico de Curitiba. Dias depois, desculpou-se pelo ato e, parece, a facção política (veja o conceito em Robert Michels) a qual é ligado pouco tinha ficado contrariada com o ocorrido e os mais próximos a ela aceitaram imediatamente as desculpas do vereador petista (https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2022/02/10/vereador-que-participou-de-invasao-em-igreja-durante-protesto-em-curitiba-pede-desculpas-nao-foi-intencao-ofender-o-credo-de-ninguem.ghtml). No momento da invasão, fiéis celebravam um culto e foram interrompidos pelos manifestantes, que ofenderam os religiosos com palavras de baixo calão, além de chamá-los de racistas e fascistas. Um dos mais exaltados, Renato Freitas dizia que os católicos apoiavam autoridades fascistas. Nasci e fui criado numa família católica (mais por minha mãe do que pelo meu pai, apenas deísta) e sou, desde a adolescência, completamente afastado de qualquer templo religioso. No entanto, vejo em atos do tipo uma fagulha de ódio ao cristianismo e a muitos dos valores por ele propagados. Casos assim, ressalto, teriam a imediata repulsa de intelectuais, artistas e que tais caso ocorressem em espaços de culto de origem africana, por exemplo. E a imprensa, que chegou a denunciar timidamente a manifestação liderada pelo vereador curitibano, ficaria exaltada. Fascistas e intolerantes seriam gritos de guerra e logo Casagrande surgiria para dizer que tudo isso poderia ser explicado pela “semente do ódio plantada em 2018”. Algum partido de esquerda apresentaria, com sobeja razão, um boletim de ocorrência na polícia e/ou uma manifestação no ministério púbico, afinal a Constituição assegura, no seu artigo 5º, inciso VI, a proteção aos locais de culto e suas liturgias, e o código penal, no artigo 208, prevê como crime a perturbação de cerimônia ou vilipêndio público de ato ou de objeto de culto religioso. É justo que qualquer cidadão brasileiro proteste, como alegou o vereador petista, “contra o racismo e a xenofobia”. Porém, há limites a serem observados e o grupo do qual ele fazia parte ultrapassou-o claramente, mesmo porque não existe nexo causal entre os tristes episódios ocorridos no Rio de Janeiro (por exemplo, o assassinato de um jovem negro e africano numa barraca de praia) e o evento religioso celebrado em Curitiba, a mais de 800 km de distância. Para justificar a bagunça, o vereador veio com aquelas baboseiras de sempre: “nenhum preceito religioso supera o amor e a valorização da vida, todas as vidas, inclusive as negras”, etc, etc e etc, como se os fiéis que se encontravam na igreja tivessem direta ou indiretamente envolvida nos hediondos fatos ocorridos no Rio de Janeiro. Ou como se a igreja católica tivesse dado guarida àquilo. Embora protestos sejam lícitos e legítimos dentro do arcabouço moral da cidadania e da civilização, são intolerantes todos aqueles realizados com violência e com desrespeito. E são ainda mais chocantes quando realizados ou aplaudidos por autodeclarados democratas. Não vou enveredar pela senda de que o que ali estava presente era a guerra cultural ou coisa do tipo. Entretanto, sigo firme dizendo que o motor que impulsiona Renato Freitas e assemelhados é a intolerância contra tudo aquilo que não faça parte do caldinho cultural do mundo deles. Qualquer um que se ponha à frente deles precisa ser destruído. Foi este radicalismo que tirou da sonolência o seu exaro contrário e, agora, ambos se enfrentam numa guerra de vida e morte. Pode haver abismos entre a liberdade e os discursos que nela falam, como hoje está sobejamente demonstrado, pois a intolerância e o desapreço pela liberdade aparecem de forma clara nos dois lados do espectro ideológico que se enfrentam, no Brasil, com mais ardor. Como já disse outras vezes, se há um princípio sobre o qual não transijo é o da liberdade de expressão – aquela que permite e dá guarida aos que não concordam conosco de se manifestarem, porquanto o que entendemos por tolerância é, acima tudo, o esforço positivo para admitir a existência de crenças e opiniões diferentes das nossas. Alguém já disse – e eu concordo – que ser tolerante não significa que eu compartilhe a crença de outro, mas que reconheça o direito do outro de acreditar e obedecer à sua própria consciência. Logo, a liberdade não existe para destruir o outro, mas para garantir que diferentes sobrevivam e coabitem os mesmos espaços sociais. Sem ela e sem o respeito à sua existência, todos soçobraremos.