Jovem alfabetizada pela mãe gari usa livros doados e é aprovada em medicina

13 de Fevereiro 2024 - 10h04
Créditos: Arquivo Pessoal


Depois de três anos seguidos fazendo o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), Angélica Óton, 20, finalmente conseguiu realizar o sonho e vai cursar medicina na UFPB (Universidade Federal da Paraíba).

Chegar até a faculdade não foi uma tarefa fácil para a jovem que mora em Boa Ventura, cidade com 5 mil habitantes no semiárido da Paraíba: ela foi alfabetizada pela mãe e ainda enfrentou privações financeiras dos pais para bancar o estudo dos filhos.

Angélica é filha de Maria do Rosário, 47, e João Salviano, 51, servidores da Prefeitura de Boa Ventura há 15 anos. Ambos passaram na função de gari —mas Salviano mudou de cargo em 2018 após um problema de saúde e hoje é vigia.

Antes de morar em Boa Ventura, ela residia em Curral Velho, cidadezinha com 2,2 mil habitantes no semiárido paraibano. "Lá não tinha nenhuma escola para a minha idade, e minha própria mãe me ensinou a ler e a escrever aos 4 anos de idade."

A matrícula na escola só veio aos 6 anos, quando ela se mudou para Boa Ventura —e precisou "pular" turmas para acompanhar os colegas.

Livros doados
Apesar de não ter sido aprovada no curso de medicina logo após o fim do ensino médio, ela não desistiu de tentar uma vaga no curso mais concorrido da UFPB.

Para isso, em 2022 e 2023, precisou estudar em casa, sozinha, já que os pais não tinham dinheiro para pagar um cursinho.

"Eu estudei com livros que foram doados por um rapaz chamado Arthur, que mora em João Pessoa e passou para medicina também na UFPB. Assim que ele foi aprovado, meu tio conhecia a família e entrou em contato, e aí ele me deu."

Angélica foi aprovada na ampla concorrência, após tirar nota 797,86 no Enem, o suficiente para conseguir a primeira opção do Sisu.

Angélica sabe do esforço dos pais para dar uma boa educação a ela e ao irmão e guarda uma dívida com eles.

"Meu maior objetivo é retribuir pelo menos 1% do que eles fizeram e ainda fazem. Quero dar uma qualidade de vida e uma casa melhor a eles, conforto e descanso."

Mas ela não quer apenas ajudar os pais, como quer voltar para servir seus conterrâneos como médica. Para isso, diz, pretende se especializar em medicina da família ou ginecologista/obstetra.

Bolsista por ser melhor aluna
Angélica passou por dois pequenos colégios no ensino fundamental até chegar ao Colégio Monteiro Lobato, de Itaporanga, cidade vizinha de Boa Ventura, onde cursou ensino médio como bolsista.

Para conseguir —e manter— a bolsa, havia uma condição: ser a melhor aluna da turma. E ela conseguiu em todos os anos.

"Eu e meu irmão tivemos sempre muito acesso à educação dada por eles, e por isso deixamos de ter coisas melhores em casa para não faltar nada nos estudos. Isso foi um diferencial."

Os bons resultados vieram. Além da aprovação de Angélica, o irmão dela, Samuel Robério, 22, passou em odontologia da UFCG (Universidade Federal de Campina Grande) e atualmente está no último ano do curso.

Apegada à religião, a mãe deles não esconde o orgulho.

"Sempre foi meu sonho e do meu esposo. Estamos extremamente felizes e confiantes. Sou uma mulher de fé, sempre acredito que vai dar certo."

Maria conta que, para pagar a educação dos filhos, a família teve de fazer escolhas e renunciar algumas coisas. "Vivemos em uma casa humilde, de poucos móveis e muitos livros", diz.

Com informações de UOL