Humanos estão errados sobre história da humanidade, aponta livro

22 de Agosto 2022 - 03h55
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Em entrevista à Folha, o arqueólogo britânico David Wengrow comenta seu livro "O Despertar de Tudo", trabalho escrito em parceria com o antropólogo americano David Graeber, que refuta as visões consagradas sobre a história da humanidade. Segundo o autor, sociedades pré-históricas e povos indígenas desenvolveram formas de organização social e política tão ou mais avançadas que os europeus em aspectos como a democracia e a liberdade, mas tiveram suas contribuições descartadas pelo cânone ocidental eurocêntrico forjado a partir do Iluminismo.

Mitos de origem são tão distantes quanto poderosos. Eles se confundem com a história oficial, hoje em acelerada reinterpretação e redescoberta, em um processo que já derrubou algumas estátuas pelo caminho.

Nesse processo, "O Despertar de Tudo: uma Nova História da Humanidade", livro recém-lançado no Brasil do antropólogo americano David Graeber e do arqueólogo britânico David Wengrow, é um tsunami.

Segundo os autores, boa parte daquilo que acreditamos saber sobre o surgimento da humanidade é, na verdade, muito pouco baseado em fatos e evidências e o poder dessas narrativas está reduzindo a amplitude de nossa percepção sobre o presente, seus enormes desafios e potenciais alternativas.

Em um momento crucial da humanidade, marcado por desigualdades recordes e pela crise climática, eles defendem uma nova perspectiva: os humanos estão errados sobre a humanidade.

Graeber e Wengrow argumentam que há hoje evidências científicas suficientes para sustentar, por exemplo, que os humanos caçadores-coletores não eram "primitivos e irreflexivos" como pensávamos. Os autores refutam o modelo linear de evolução que começa em um suposto estado natural, passa para o cultivo da terra e chega, então, a cidades, em uma complexidade crescente que requer a concentração de poder no Estado.

Na contramão, o livro apresenta as sociedades pré-históricas e os povos indígenas como um "desfile carnavalesco de formas políticas" capazes de produzir um caleidoscópio de novas possibilidades, todas descartas pelo cânone ocidental eurocêntrico que definiu, a partir do Iluminismo, as noções modernas de liberdade, civilização, Estado e democracia.

Para Graeber e Wengrow, essas definições fundamentais do liberalismo emergiram como uma reação às críticas feitas por lideranças indígenas das Américas, o Novo Mundo da época, que colocaram em xeque os valores e as estruturas sociais da Europa imperialista.

"As evidências estavam lá, cada uma isolada em sua área. Nós apenas começamos a ligar os pontos", afirma Wengrow, 50, em entrevista por videochamada à Folha de sua casa em Londres, onde é professor de arqueologia comparada no Instituto de Arqueologia da UCL (University College London).

Quase dez anos depois da troca de ideias que motivaram o livro, Wengrow e Graeber concluíram as quase 700 páginas de "O Despertar de Tudo" certos de que causariam barulho.

Nada a que Graeber já não estivesse acostumado. Intelectual público de movimentos de repercussão internacional, como Occupy Wall Street, autor do slogan "nós somos 99%" e anarquista convicto, ele dedicou sua vida e sua carreira a repensar a sociedade sem conformismos.

O autor de "Dívida: Os Primeiros 5.000 Anos" e "Bullshit Jobs" planejava uma continuação do novo livro em dois ou três volumes para explorar melhor o novo território desbravado. Graeber morreu subitamente, aos 59 anos, semanas depois de concluir "O Despertar de Tudo", durante suas férias de 2020 em Veneza, na Itália.

"Graeber me disse: nós vamos mudar o curso da história ao olhar para o passado", lembra Wengrow. "Ele me falou que a repercussão seria grande, só não me avisou que não estaria comigo quando isso acontecesse."

O livro tem um subtítulo pretensioso: "Uma Nova História da Humanidade". Como é possível renovar tudo aquilo que conhecemos sobre seres humanos e civilização? As imagens fantásticas do novo telescópio divulgadas recentemente mostraram o cosmos de uma maneira que nunca poderíamos ter imaginado antes. Estamos em um momento bastante semelhante em relação à compreensão científica da história humana.

Pela primeira vez, há técnicas disponíveis que nos permitem investigar o que os seres humanos fizeram há milhares ou mesmo dezenas de milhares de anos. O efeito não é diferente daquele produzido pelas imagens de todas essas galáxias: surgem novas possibilidades que nos colocam em uma perspectiva diferente.

Portanto, você está certa: o subtítulo é pretensioso. Mas ele também reflete uma genuína sensação de choque e descoberta. A imagem que se tem hoje da história humana é muito diferente da história que nós contamos para nós mesmos há séculos.

Com informações da Folha de São Paulo