No intervalo entre as aulas do Colégio Bandeirantes, um pequeno grupo de alunos costuma se reunir ao redor da escada de incêndio. Formada por colegas de duas classes do nono ano, essa turma prefere evitar o superpovoado pátio principal, onde desfilam os caras populares e seus seguidores, além dos clássicos trios ou quartetos de amigas. Eles me contam que, ao se esconder nesse cantinho afastado, conseguem desfrutar de "meia hora de paz".
Desde o dia 12 de agosto, esse grupo vem chorando a perda de um colega de 14 anos que se matou entre o trajeto de casa e a escola. Mas não é só choque e tristeza que eles sentem. Tida como uma das violências mais danosas que podem acontecer a uma comunidade escolar, o suicídio de um aluno também deixa marcas no corpo docente e nos colegas. Portanto, soma-se a esse trauma, que especialistas em suicídio dizem ser mais profundo e duradouro do que se imagina, uma mistura de culpa e incompreensão.
"Ele foi um amigo que me ajudou muito. Estava passando por uma dificuldade no primeiro semestre, achando que não tinha saída. Foi graças a ele que me recuperei. Queria ter pelo menos uma oportunidade de dizer para ele: vai ficar tudo bem."
O que pode levar ao suicídio?
É raro que uma pessoa potencialmente suicida não emita sinais de alerta. Mas não é incomum que esses pedidos de ajuda passem despercebidos. "Precisamos entender que o sofrimento existencial não é frescura e que psicólogo e psiquiatra não são coisas de louco", diz Âmbar Maura, professora de suicidologia na Faculdade Phorte, e autora do documentário Suicídio, um Assunto Urgente, de 2018. "O papel da educação para esse entendimento é fundamental, ainda mais agora, quando muitos grupos desacreditam o sofrimento existencial."
Caso todos os suicídios entre adolescentes fossem noticiados, eles estariam na mídia e nas redes sociais a cada 7, 8 horas por dia, tal o número de mortes autoprovocadas entre pré-adolescentes e adolescentes. Mas por diversos motivos —o áudio deixado por ele que vazou na internet, a escola famosa, entre as razões principais— a tragédia deste aluno teve uma repercussão extraordinária e vem sendo assunto de grupos de mães, grupos de alunos, blogs, portais de notícias, influencers e perfis de políticos em redes sociais.
Tentativas para explicar a tragédia também inundaram as redes e os grupos de mensagem. O bullying escolar pode levar ao suicídio? Teria a ver também com outros componentes de violência escolar, como a desigualdade social (ele era bolsista) e a etnia (era negro)?
De qualquer maneira, a maior certeza sobre o suicídio é que não há uma resposta simples e única para explicá-lo. Até chegar à conclusão de que não se faz mais diferença neste mundo, o adolescente provavelmente reuniu uma coleção de razões que deterioraram sua saúde mental e o levaram ao processo de morrência citado por Âmbar Maura, repetindo o termo inventado pela especialista em suicidologia Karina Fukumitsu.
Todos os estudos sobre suicídio concordam que não existe apenas um fator que o explique, embora alguns deles, isoladamente, possam servir de gatilho, algo que desencadeia a tentativa da morte. Bullying e cyberbullying são considerados gatilhos. Abuso de drogas também, assim como acesso a armas de fogo e veneno, mortes de parentes e outras experiências traumáticas.
Suicídio e saúde mental: perguntas e respostas
As respostas sobre a deterioração da saúde mental entre os adolescentes e o que os leva a pensar em suicídio foram dadas pelos psiquiatras da infância e adolescência Guilherme Polanczyk e Wagner Gurgel, ligado ao Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, e pelo psicólogo Altay de Souza, divulgador científico e especialista em análise de dados e metodologia científica, ligado à Unifesp e à USP.
1. É fato que está aumentando o número de suicídios entre adolescentes ou foi a visibilidade sobre o assunto que aumentou?
Guilherme - Sim, o aumento é fato. Estudos que acompanham os adolescentes por longo tempo revelam o crescimento de piora na saúde mental e de suicídio desde 2010. Dados do Ministério da Saúde e do SUS mostram claramente que houve aumento na taxa de suicídios entre os 15 a 19 anos, assim como um aumento de autolesão em adolescentes e pré-adolescentes.
2. Quais são as explicações para a piora da saúde mental da geração que nasceu depois dos anos 2000?
Guilherme - Estima-se que, hoje, 15% dos adolescentes e das crianças sofram algum transtorno, o que é muito preocupante. Podemos tentar entender esse fenômeno falando de mega tendências globais, que são mudanças sociais, econômicas e culturais (ambientais), que provavelmente estão piorando a saúde mental desta geração.
Recessão econômica é uma tendência, pois as incertezas econômicas afetam os pais e, com isso, o ambiente familiar. Outra tendência: incerteza também em relação ao futuro, com dados alarmantes sobre colocação no mercado de trabalho, aquecimento global, epidemias etc. Falta de suporte social é outra hipótese. Este enfraquecimento de redes de apoio, que também gera solidão, pode ser explicado pelas mudanças nas estruturas familiares.
Marginalização social é também uma macrotendência. Embora a gente acredite que a sociedade esteja mais inclusiva, mais pronta para aceitar as diferenças, ainda existe muito preconceito e discriminação.
3. E a predisposição genética? Algumas pesquisas recentes indicam a existência de genes que podem estar ligados a um comportamento suicida...
Altay - Temos alguns marcadores genéticos ligados a condições que predispõem a uma maior probabilidade de suicídio (como em quadros ligados a esquizofrenia por exemplo), mas é importante pontuar que isso se aplica a uma fração muito pequena da população, tem um peso relativamente pequeno na probabilidade de suicídio.
Um contexto social, onde a pressão por resultados, a expectativa em relação à avaliação dos outros —durante muito tempo— tem um efeito mais crucial na incidência do suicídio.
4. Por que a preocupação com a saúde mental deve ser maior na adolescência?
Wagner - Na psiquiatria, podemos chamar de tempestade perfeita o encontro das fragilidades biológicas e os fatores ambientais. Isso acontece mais facilmente na adolescência e explica o fato de a grande maioria dos transtornos mentais se iniciar antes dos 15 anos.
A fragilidade biológica tem um peso grande, já que o cérebro ainda não amadureceu plenamente nessa fase, existindo um descompasso entre duas áreas importantes para a saúde mental. Enquanto o córtex pré-frontal anda com lentidão na regulação das funções de controle inibitório, autocontrole, planejamento e pensamento racional; uma outra região, o sistema límbico, responsável pela agressividade, respostas emocionais e instintivas, está em velocidade máxima. Com isso, se abre essa janela de vulnerabilidade entre os adolescentes, mais predispostos a comportamentos impulsivos e de risco.
5. É possível traçar um perfil psicológico de um adolescente com ideação suicida?
Altay - O comportamento suicida é um comportamento impulsivo.
Muita gente fala que o suicídio é uma solução definitiva para um problema parcial. Mas a pessoa que pensa em suicídio não enxerga esse problema como parcial.
Na fase de ideação suicida, três características comportamentais estão presentes. Uma delas é a ambivalência —a pessoa quer se matar porque não enxerga outra saída, mas também desejaria que não fosse assim. A outra, a impulsividade, e a terceira, a rigidez, o pensamento ruminativo. Isso forma uma visão de túnel, a pessoa só consegue ver o que está na frente dela, não vê mais alternativas.
Wagner - Mudanças drásticas e agudas de comportamento costumam acontecer na ideação suicida. Pais devem ficar atentos quando um adolescente passa a se interessar por conteúdo mórbido, quando insiste em falar sobre morte, quando diz que o mundo seria melhor sem ele, quando passa a usar ou abusar de drogas. Mesmo sabendo que a adolescência leva a mudanças de humor, os pais devem se preocupar com a intensidade dessas mudanças.
6. Como conversar sobre suicídio com os filhos?
Guilherme - Os pais devem observar como os filhos estão tendo contato com o assunto antes de falar sobre. Se os adolescentes ou as crianças acessaram um conteúdo, principalmente se houve suicídio na escola, é muito importante, sim, abrir um espaço para conversa. Isso reduz o estigma. É uma maneira de entender como os filhos reagem a uma situação de morte.
Para crianças que estão tendo o contato pela primeira vez, os pais podem explicar que esse tipo de acontecimento existe, que o sofrimento mental existe. Também é importante perguntar o que os filhos ouviram sobre o suicídio de um colega, por exemplo, investigar como estão processando essas informações.
Inicialmente fazer perguntas, sem julgar as respostas. O importante é ouvir, garantir que a criança e o adolescente se sintam seguros para falar. Se isso não acontece, talvez os pais percam a chance de perceber o sofrimento do seu filho. E outra coisa: os pais não precisam ter medo de se perderem na conversa. Eles não precisam saber de tudo. Ao ouvir, se acharem necessário, devem procurar ajuda de um profissional de saúde.
7. O que não falar com adolescentes que estão com ideação suicida ou tentaram o suicídio?
Wagner - Um adulto não deve, jamais, duvidar do sofrimento do adolescente, insinuar que é chantagem ou manipulação emocional. Dizer que não há razão para que ele sofra tanto se a vida dele é boa, confortável etc...
Outra coisa a evitar: culpar o adolescente pela angústia da família. 'Olha o que você está fazendo com sua mãe!' Isso reforça o sentimento de desamparo exatamente quando se precisa de acolhimento.
8. E o que falar?
Wagner - Sem subestimar a dor do filho, os pais devem transmitir esperança: podem dizer que o sofrimento mental tem uma base biológica. Que o que aconteceu ou o que ele está sentindo pode ser amenizado no futuro. Que eles estão juntos, que vão encontrar formas de lidar com isso. O importante é que ele não se sinta sozinho ou negligenciado pelos adultos.
Com informações de UOL