Ditadores da demo-gracinha

22 de Agosto 2024 - 09h19
Créditos: Montagem Internet

Por Sérgio Trindade

 

Parece conversa de abilolado a história de que Alexandre de Moraes salvou a democracia brasileira.

Não existem indivíduos salvadores em uma democracia. Mas se entendermos por salvar a democracia ter contribuído para impedir a reeleição do populista-autoritário Bolsonaro, dito de extrema-direita e adversário da democracia, então não foi Alexandre que fez isso e sim todos os que votaram em Lula, incluindo aqueles que sabiam ser ele um líder populista de esquerda, useiro e vezeiro em apoiar ditaduras e, portanto, também adversário, de outro modo, da democracia liberal (ou da democracia burguesa, como dizia grande parte dos esquerdistas, até mesmo gente do Partido dos Trabalhadores).

É curioso e chega a ser cômico ver a tropa petista na mídia pôr panos quentes no vazamento do porão do “combate aos inimigos da democracia” do juiz Alexandre de Moraes, alçado a líder suprema da democracia bananeira destes tristes trópicos.

Também é curioso e cômico ver os comentários dos petistas maldizendo a Folha de São Paulo porque ela está cumprindo a missão da imprensa, a saber, criticando o poder constituído, papel que, segundo Millôr Fernandes, é o do jornalismo – fazer “oposição, pois o resto é apenas armazém de secos e molhados”.

Por esses dias, uma tal de Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) assinou nota defendendo a fraude rocambolesca feita pelo ditador Maduro. A ABJD é formada “por juristas com atuação em diferentes espaços, desde organismos do Estado até movimentos populares” e tem “proposta de unidade entre diversas categorias de juristas em defesa da democracia, contando hoje “com mais de 2 mil associados(as) organizados em núcleos pelo país, entre juízes, desembargadores, advogados, defensores públicos, professores, servidores do sistema de justiça, promotores, procuradores estaduais e municipais, e estudantes de direito. Nascida “em maio de 2018, como desdobramento de uma Frente Juristas surgida dois anos antes para denunciar o golpe então em curso e defender o regime democrático”.

O golpe ao qual se refere a ABJD foi o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, afinal ela é uma defensora “intransigente da democracia”, inclusive o regime democrático da Venezuela, onde a entidade atuou, segundo nota por ela emitida, “como convidada internacional para acompanhar as eleições presidenciais de 2024 da Venezuela, exercendo essa missão juntamente a outros 1.200 pares (nacionais e internacionais) de mais de 100 países”, nada notando de irregular no pleito que transcorreu “em clima de liberdade [e] cujo resultado consagrou como eleito o Presidente Nicolás Maduro com 51% dos votos ao apurar 80% das urnas com distanciamento dos outros candidatos, o que não deixa margem para alteração do resultado” e com total “respeito à constituição venezuelana e à legislação eleitoral, em um clima ordeiro, de paz e tranquilidade. Lamentamos o ataque hacker ao sistema de transmissão, informado pelo CNE, que tem atrapalhado o encerramento das operações e criado desconfiança acerca do resultado, que é auditável e cuja legalidade e legitimidade certamente irão se confirmar, de acordo com todas as garantias eleitorais, à integridade e à segurança do processo e da vontade soberana do povo venezuelano”.

A ABJD comporta-se como o Padilha, personagem do programa humorístico “Planeta dos Macacos”, que não enxerga o que tem próximo a si (https://youtu.be/2sqx60Oluvc?feature=shared). É mais um(s) de tantos(as) a relativizar a democracia.

Deveríamos, como disse Ulisses Guimarães (ele mesmo um simpatizando inicial do golpe de março/abril de 1964 que, em pouco tempo, migrou para o campo liberal-democrático) quando nos apresentou a atual Constituição brasileira, não ser seletivos. As nossas escolhas dizem quem nós somos. Estamos vendo, há dias, talvez meses, quem, no Brasil, tem compromisso efetivo com a democracia.

O posicionamento diante do que está acontecendo na Venezuela é mais um divisor de águas.

Como tantos outros.