Coluna Capitolina: Das vias de Roma para as ruas de Natal

24 de Novembro 2023 - 10h00
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A coluna que passou séculos em Roma, “andou” muito pela cidade do Natal

Por Leonardo Dantas

Qual o monumento mais antigo do Rio Grande do Norte? Para alguns, a resposta mais óbvia seria o marco de Touros/RN ou o Forte dos Reis Magos, ambos datados do século XVI. Contudo, basta refletir um pouco e chegar a outra opção, a coluna Capitolina, uma estrutura de mármore, datada a princípio do século V a.C., a coluna que passou séculos em Roma, “andou” muito pela cidade do Natal.

A exata origem da coluna e a necessidade de enviá-la ao povo natalense sempre foram motivos de polêmica. Alguns defensores alegam que ela nunca deveria ter sido retirada do solo italiano e outros afirmam ser um presente desnecessário, associado ao governo fascista de Benito Mussolini. Contudo, para explicar esses pontos é preciso ir por etapas, começando por sua chegada ao solo potiguar.

Tudo começa em 1928, quando o mundo passava por uma revolução tecnológica-aeronáutica, com as primeiras grandes travessias aéreas sobre o oceano Atlântico sem escalas, os famosos raids. Competindo pelo prêmio “De Pinedo”, em 5 de julho daquele ano, pousaram na praia de Touros/RN os pilotos italianos Arturo Ferrarin e Carlos Del Prete, a bordo da aeronave Savoia-Marchetti “S-64” (matrícula I-SAAV), concretizando o maior voo sem escalas e em linha reta entre a Itália e o Brasil, percorrendo mais de 7.000 quilômetros, em 49 horas e 15 minutos.

Essa história foi contada no livro “Voli per Il Mondo”, escrito pelo próprio Ferrarin, então coronel da Regia Aeronautica (Força Aérea Italiana), amigo do comandante da Aeronáutica Italiana, Italo Balbo e próximo da família Mussonili. O Governo italiano deu a devida importância ao feito e reconheceu o acolhimento do povo potiguar relatado no livro com os heróis aeronautas, portanto, decide presentear Natal com uma legítima coluna romana, cuja origem foi por muitos anos motivo de divergência.

A coluna de mármore com cerca de dois metros de fuste, 65 centímetros de diâmetros e pesando quase 1,7 tonelada, foi entregue sem a base original e transportada da Itália para Natal a bordo no navio cruzador “Lanzerotto Malocello”, dias antes do 8 de janeiro de 1931, quando foi inaugurada na entrada do Porto de Natal, em sua primeira instalação em solo potiguar. Esculpida em mármore, composta por fuste com entalhes em espiral – ou twisted – e capitel adornado com folhas de acanto, comum na ordem coríntia e típico de adornos internos de edifícios romanos do século IV e V a.C..

A edição de 9 de janeiro de 1931, do jornal Diário de Pernambuco, na seção de Telegramas relata em detalhes como foi, no cais do Porto de Natal, a solenidade de inauguração com hinos fascistas e do Brasil entoados por moças natalenses – mostrando como a sociedade foi envolvida –, e presença em pessoa do general Italo Balbo, homem de confiança do Duce. A viagem do comandante Balbo foi glamorosa e com apoio total do Governo de Benito Mussolini, denominada oficialmente como a Crociera Aerea Transatlantiva Italia-Brasile, com 12 hidroaviões modelo Savoia-Marchetti “S-55”.

Esquadrilha de S-55 do comandante Balbo  no rio Potengi (Foto: Acervo do autor)

A solenidade contou com a benção e leitura do evangelho por parte do bispo diocesano, Dom Marcolino Dantas, às 8 horas, e salva de 21 tiros partindo do cruzador Lanzerotto Malocello, ao meio dia.

Ao prefeito de Natal, Balbo leu a seguinte mensagem depois publicada em jornal: “Sr. Prefeito de Natal. Em nome do sr. Benito Mussolini, entrego à cidade de Natal esta coluna que durante 20 séculos embelezou (sic) a histórica via que conduz a Roma e que enriqueceu a Cidade Eterna, afim de que em Natal seja sempre a lembrança do feito de Del Prete e Ferrarin, unindo a Itália ao Brasil e para que seja mais um symbolo perene da grandeza da raça, do valo dos dois povos amigos ligados pela fraternidade humana”.

Diário de Pernambuco, edição de 9 de janeiro de 1931 (Fonte: Arquivo Nacional)

Assim, em 1931, a coluna foi chantada no Cais do Porto, onde hoje encontra-se a avenida Duque de Caxias com a rua São Pedro, no bairro das Rocas. Este primeiro local foi escolhido pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN) e o espaço cedido pela Prefeitura do Natal, comandada pelo prefeito Pedro Guimarães Dias. A inauguração da coluna foi sobre uma base de concreto, aparentemente, inacabada pois na própria matéria é dito que seria algo mais pomposo, provavelmente em mármore e depois executado.

Primeira instalação da coluna em Natal (Foto: Acervo do autor)

Imagem panorâmica do porto de Natal (Acervo: Museu Aeroespacial / Biblioteca Nacional)

Junto com a coluna, foi instalada uma placa em pedra com um poema descrevendo o voo de 1928, assinado pelo poeta italiano Nello Quillici, esculpida a pedido do cônsul da Itália em Natal, Gugliemo Lettieri, quem também custeou o pedestal.

Na placa estava escrito:

PORTATA IN UM BALZO /

SOPRA ALI VELOCI /

OLTRE OGNI TENTATA DISTANZA /

DA CARLO DEL PRETE E ARTURO FERRARIN /

ITALIA QUI GIUNSE IL V LUGLIO MCMXXVIII /

L´OCEANO NON PIU DIVIDE MA UNISCE LE GENTI LATINE

D´ITALIA E BRASILE //

Tradução:

TRAZIDA UM SÓ LANCE /

SOBRE ASAS VELOZES /

ALÉM DE TODA A DISTÂNCIA /

TENTADA POR CARLO DEL PRETE / E ARTURO FERRARIN /

A ITÁLIA AQUI CHEGOU / EM 5 DE JULHO DE 1928 /

O OCEANO NÃO MAIS DIVIDEM E SIM / UNE OS POVOS LATINOS /

DA ITÁLIA E DO BRASIL

Por quase 28 anos a coluna romana de Natal ficou no esquecimento, até que no fim da década de 1950, o bairro das Rocas passou por uma mudança urbanística que contemplou melhorias viárias e de saneamento básico, o que obrigou a retirada do monumento ou do que restava dele. Os textos da época chegam a afirmar que a coluna capitolina estava desaparecida e repentinamente a Prefeitura a transferiu para um segundo local, a praça João Tibúrcio, por trás da Igreja de Santo Antônio, em Cidade Alta. A novidade não agradou a todos, principalmente, porque não reconstruíram o pedestal nem recolocara a placa com o poema.

Vista aérea de Cidade Alta com a coluna instalada na praça João Tibúrcio (Foto: FGV)

Nesse vácuo de quase três décadas um fato ficou sem registro ou explicação mais clara, e diz respeito a depredação sofrida pela coluna na Intentona Comunista de 1935. Os revolucionários consideraram que o presente de Mussolini seria um símbolo fascista, portanto, uma afronta aos comunistas que tentaram até tombar o monumento durante a tentativa de golpe.

Contudo, não há nada nos jornais ou relatos oficiais, mas o consenso de que foi tentado algo e, pelo menos, a placa original tenha sido quebrada e se perdido na história. Na década de 1940, por fotos aéreas, é possível identificar a coluna ainda próximo ao Porto de Natal, apesar não ter registros mais próximos ou qualquer menção dela pelos americanos, presentes em Natal durante a Segunda Guerra Mundial.

Foto aérea do bairro das Rocas, nos anos 1940 (Foto: Arcevo do autor)

Após quase 10 anos na praça João Tibúrcio, em setembro de 1969, a coluna Capitolina é instalada em um novo logradouro, a recém-inaugurada praça Carlos Gomes, a mando da Prefeitura, à época sob a administração do prefeito Ernani Silveira. No dia 6 de setembro, o Diário de Natal noticiou a inauguração da praça e do novo local do monumento, com a presença do cônsul da Itália para o Norte e Nordeste, Ettore Grande, e do cônsul italiano em São Paulo, Lorenzo Ferrarin, sobrinho de Arturo Ferrarin.

Já em 5 de julho de 1974, o prefeito de Natal, Jorge Ivan Cascudo Rodrigues nega, à reportagem do Diário de Natal, a informação de que o monumento seria levada da cidade, anunciando a retirada do equipamento da praça Carlos Gomes, pois os arredores passariam por obra estruturante, prevendo um canal com galerias de águas pluviais e os viadutos, local depois conhecido como Baldo. A ideia era levar a coluna para o jardim interno da nova administração municipal, que seria um prédio de 10 andares erguido na esquina das ruas Uliesses Caldas e Vigário Bartolomeu, o qual não saiu do papel. Em 1975, entrou no assunto o Conselho Estadual de Cultura, iniciando um debate sobre o futuro do monumento, propondo logo em seguida a sua instalação na praça André de Albuquerque.

Ao que parece, mesmo com o interesse da Prefeitura e de outros órgãos como o IHGRN e o Governo do Estado, o destino da coluna ficou no vácuo. Durante todo o ano de 1976, a obra do Baldo seguiu e foi concluída, já a coluna ficou cercada por materiais de construção, enquanto sua base serviu de apoio para a cozinha dos trabalhadores, o que foi motivo de críticas, como publicado no Diário de Natal. As queixas da sociedade com o descaso da coluna se seguiram por duas décadas, até os anos 1990, quando vândalos picharam a coluna ainda na praça Carlos Gomes, e mais uma vez ela teve que ser resguardada para ser preservada.

Coluna dentro do jardim do IHGRN (Foto: Leonardo Dantas)

Em 2006, a fuste e o capitel encontraram o seu local mais recente de descanso, chantados no largo Vicente de Lemos, pertencente ao IHGRN, onde permanece até os dias atuais, com visitação pública, apesar de estarem cercados por grades e portões de ferro, que asseguram e preservam a coluna, que em nove décadas em Natal foi mais deslocada do que em quase vinte século na Itália.

Contudo, uma reflexão que merece ser feita diz respeito a situação de abandono dos logradouros por onde a coluna passou, a exemplo do abandono vivido pelo Baldo e praça João Tibúrcio, além do total esquecimento e sem qualquer menção de que o monumento um dia esteve no bairro das Rocas.

Primeiro logradouro onde a coluna ficou na década de 1930 (Foto: Leonardo Dantas)

A Origem

Além de ser um marco de fato histórico, a coluna Capitolina para muitos representa um símbolo da presença do povo italiano, retomando o tempo em que o Império Romano marcava sua presença com marcos deste tipo, no extremo Oriente, Espanha, Bretanha, Ásia Menor, África, Egito, entre outros locais.

Assim descreveu o capitão Gino Bertole, em carta enviada e publicada no Diário de Pernambuco em 1º de janeiro de 1931, antecipando a vinda de baldo. Neste texto, é dito que a coluna tinha sido retirada do “Capitólio” romano. Em algum momento da história, atribuísse a sua origem ao Templo de Júpiter, erguido no alto do monte Capitólio, em Roma, Itália. Daí a denominação por “coluna capitolina”.

A partir de 1969, o assunto ganha atenção da mídia, com a declaração do jornalista e pesquisador Celso da Silveira, ao jornal Diário de Natal, de 30 de agosto. De acordo com ele, “a coluna Capitolina é uma esfinge, indecifrável. Histórica, preciosa, linda, mas pode ter sido retirada de algum templo secundário”. Ele utilizou dois argumentos, uma que o feito de Ferrarin e Del Prete “não justificaria a entrega pura e simples de uma relíquia histórica e de tão grande importância” e segundo o formato das estrias em espirais da fuste, pouco usual em colunas clássicas.

Apesar de demonstrar algum conhecimento, o jornalista à época desconsiderou fatos, como a segunda coluna enviada a Mussolini ao Brasil, também conhecida por “Coluna Paulista”, em agosto de 1929, e que compõe o Monumento pela Travessia Atlântica. Ou seja, o reconhecimento dos raids aéreos era algo marcante no início da aviação do século XX. Além disso, com o advento da internet, é possível encontrar colunas similares nas ruínas do Foro Romano, em Roma, e no sítio arqueológico de Apamea, na Síria.

Resto coluna em espiral no Foro de Roma (Foto: Google Earth 2023)

No decorrer da década de 1970, a discussão ganha um novo capítulo, quando o membro do Conselho Estadual de Cultura, Franco Jasiello, iniciou uma nova pesquisa duvidando da retirada da coluna do Tempo de Júpiter. Ele disse ao Diário de Natal – edição de 8 de abril de 1975 – que a data apontada, com sendo 509 a.C. não correspondia com os métodos construtivos, quando o uso do mármore era incomum. Além disso, ele apresentava outra descoberta polêmica, afirmando que o mármore da coluna de Natal era do tipo Pentélico, portanto, de origem grega, e faltava uma parte importante entre a fuste e o capitel, o colarinho ou gola. A fonte do pesquisador era o secretário do Museus Capitolinos de Roma, o senhor Eugenio La Rocca, com base nos registros do Antiguarium de Roma.

Diário de Natal, 8 de abril de 1975 

De fato, ao analisar a coluna Capitolina é possível identificar que o capitel não parece fazer parte do conjunto da fuste, com diferença visível entre os diâmetros, que deveriam ser iguais ou quase imperceptíveis na junção. Uma coluna completa seria composta pela base, fuste e capitel, em perfeita harmonia estética e arquitetônica, além de exercer função estrutural.

A conclusão final é que a coluna veio de Roma e é, sem dúvida, um dos marcos simbólicos mais importantes da história do RN, assim como o marco de Touros, o Forte dos Reis Magos, a Catedral Velha, o relógio e balaustrada da Junqueira Aires (atual Sesc Cidade Alta), entre outros.

Coluna na praça Carlos Gomes (Foto: IBGE)

Montagem simulando onde estaria a coluna nos dias atuais

Placa com o poema em italiano (Foto: Acervo do autor)

Praça João Tibúrcio, em Cidade Alta, com restos na base (Foto: Leonardo Dantas)