A tirania será normalizada?

15 de Agosto 2024 - 12h08
Créditos: Montagem Internet

Por Sérgio Trindade

 

O nosso apego ao personalismo político e a heróis salvadores nos empurra, de tempos em tempos, em direção a liberticidas, tiranos e demagogos.

Eles quase sempre fizeram história no poder executivo, como prefeitos, governadores e presidentes da república, ministros e, eventualmente, nos poder legislativo. Muito raramente, no judiciário.

Os Florianos, Getúlios, Jânios e assemelhados se repetem, às vezes assessorados pelos Franciscos (Campos), Alfredos (Buzaids), Gamas (e Silva).

De uns tempos para cá, o poder judiciário parece ter tomado gosto pelo salvacionismo sebástico travestido de combate à corrupção ou defesa da democracia.

Sérgio Moro foi, há uma década mais-ou-menos, o faxinador da república; Alexandre de Morais tem se apresentado, de uns dois anos para cá, como o guardião e fiador da democracia. Ambos adornados com as vestes do francês Robespierre, o decepador de cabeças que discordavam do que ele pensava e dizia, na França revolucionária dos século XVIII.

Uma frase atribuída ao jurista baiano Rui Barbosa e nunca confirmada diz que “a pior ditadura é a do Poder Judiciário, pois contra ela não há a quem recorrer”.

No Brasil de hoje, juízes decidem sem que o contraditório seja apresentado. Num rasgo de tolerância até aceitam, por questões meramente burocráticas, mas já têm decisão previamente tomada. E assim vai até que vazamentos exponham a nudez das decisões e digam, para apascentar as ovelhas, que toda nudez será castigada. Para depois nada ser feito para corrigir os descaminhos e os que construíram dos descaminhos.

Fiquemos, por questão de espaço, com o recente caso do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Morais e, de antemão, peço desculpas se escrevo alguma bobagem.

O sistema acusatório é um modelo de processo penal no qual, após a investigação de um crime pela polícia (inquérito), um promotor faz uma acusação formal (denúncia), dirigida a um juiz que vai admitir ou não a acusação. Admitida, será instaurado um processo, no qual o acusado terá direito à ampla defesa. Ao final, o juiz, de forma isenta, decidirá pela culpa ou inocência do réu.

O juiz não participa, em nenhuma hipótese, da investigação que antecede o processo, selecionando provas que incriminem o investigado antes mesmo de o processo começar, pois isso demonstraria parcialidade, quebrando a essência do percurso processual sustentado pela neutralidade do juiz, inerte enquanto a acusação caminha.

Ora, se um juiz pede a seus assessores relatórios que possam servir de base para que ele mesmo venha a estabelecer a culpar de acusados que falaram mal dele próprio, a isenção foi pras cucuias. Se o juiz faz isso às ocultas, sem nada oficial nos autos, parece haver aí indícios claros de que o magistrado está claramente ciente da ilegalidade dos procedimentos.

Quem pode frear os excessos da ditadura de toga praticada, segundo matéria da Folha de São Paulo, no STF, é o Senado.

A questão posta é: o Senado está disposto a exercer a função que lhe cabe no sistema de tripartição dos poderes, a saber, ser freio dos excessos do STF, conforme apontaram formuladores políticos do século XVIII – entre os quais Charles-Louis de Secondat, mais conhecido como barão de Montesquieu – e que os nossos constituintes absorveram em nossa Constituição?

Ou seguirá o Brasil no rumo da pior das ditaduras, a de toga?