
A imprensa brasileira e o eleitor médio critica e maldiz a maneira como presidentes da república, de Sarney a Bolsonaro se conduziram em sua relação com o congresso nacional.
Críticas são dirigidas principalmente ao MDB e centrão, agrupamentos identificados como vilões fisiológicos.
É da natureza dos partidos brigarem por espaços políticos.
Em outras palavras, o instinto de lutar pelo poder está no DNA dos partidos políticos e quase sempre partidos políticos só têm poder por meio dos espaços que controlam no aparelho do Estado. E isso significa cargos, de preferência cargos importantes, que controlem verbas substanciais, que elaborem e toquem grandes projetos, etc.
Num regime político como o brasileiro, em que o presidente precisa constantemente negociar, o jogo, por envolver um grande número de partidos, muitos deles fracionados, é predatório.
Sem acesso a verbas, fatalmente as lideranças políticas e os partidos perdem redutos políticos.
Para sobreviver, as raposas felpudas ou os chefetes precisam de muita astúcia e muita verba.
Partidos derrotados veem os vitoriosos invadirem os seus redutos políticos ou mesmo assediarem os seus quadros, numa caçada sem trégua, enfraquecendo os seus principais adversários.
Nicolau Maquiavel apresentou uma novidade no início do século XVI: a reavaliação das relações entre ética e política.
Para o pensador florentino, há uma moral secular de base naturalista desligada da politica; ele rejeita a anterioridade das questões morais na avaliação política.
A ética maquiaveliana analisa as ações em função dos resultados da ação política; o que é moral é o que traz o bem à sociedade.
Se o governante aplicar de forma inflexível os padrões morais que regem a sua vida pessoal à vida política, não atuará eficientemente.
Por isso, a avaliação moral não pode e não deve ser feita antes da ação política, conforme normais gerais e abstratas, mas sempre a partir de um contexto bem específico, visto que toda ação política dirige-se à sobrevivência do grupo.
Enquanto os filósofos antigos e medievais procuravam descrever o bom governo, estabelecendo regras inflexíveis que moldam o perfil do governante ideal, Maquiavel demonstra cruamente como de fato os governantes procedem.
Todos os candidatos a presidente desde a redemocratização tiveram de aprender que num governo de coalizão tudo o que acontece com os partidos da base governista é, também, sua responsabilidade.
O bom governante é o que compreende o jogo político real e suas circunstâncias concretas, identificando as forças em conflito a fim de agir com eficácia; os valores morais que regulam as condutas individuais não se aplicam à ação política – atividade que envolve o destino não de um cidadão, mas de toda a comunidade.
Se Lula, Dilma e Bolsonaro, para ficar nos últimos presidentes (excluo Temer porque não foi eleito para o cargo e porque, curtido na vida parlamentar, sempre soube com quem lidava), tivessem tido essa percepção antes, teriam evitado que tudo se fizesse por meio de manobras ardilosas, com tudo sendo barganhado sorrateiramente, nas sombras.
Distribuir cargos e verbas sempre foi e continuará sendo um dos elementos primordiais do funcionamento de uma coalizão.
Aqui ou em qualquer outro país, pois os partidos políticos que formam uma coalizão querem ter o maior número possível de cargos e verbas sob o seu controle e lutam para manter a coalizão com o menor número possível de partidos. Por isso, a lógica e a dinâmica dos governos de coalizão é a ocorrência constante de brigas intestinas, lutas por espaços.
Convém conduzir as negociações políticas em torno de um projeto de construção nacional. Elas, as negociações são necessárias no jogo político, ainda mais no democrático.
As negociações que eliminam os partidos do jogo político e façam ligação direta com os movimentos sociais não são bom para o fortalecimento da democracia e se constituem em elemento para o fortalecimento desmedido do poder Executivo.
Assim podem começar as ditaduras.