A mídia palpiteira

15 de Março 2022 - 04h57
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“A culpa é da mídia” é o clichê mais lido e ouvido.

A imprensa costuma levar a culpa por tudo ou por quase tudo. Durante os períodos mais críticos da pandemia, apanhou como mala velha. Algumas vezes com justiça. Agora, com a guerra Rússia-Ucrânia, volta a apanhar, por cometer os mesmos erros, a saber, a faltar de rigor na apuração dos fatos e por encher as redações de palpiteiros que se danam a falar e a comentar sem base alguma na realidade. No Brasil, apanha dos dois lados do espectro ideológico que se engalfinham de maneira ressentida.

A confiança na mídia diminuiu, no mundo (https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2019/06/12/interna_internacional,1061342/confianca-na-midia-diminui-no-mundo-segundo-reuters-institute.shtml) e no Brasil (https://mediatalks.uol.com.br/2021/01/29/estudo-global-mostra-indices-de-confianca-na-imprensa/).  E não foi pouco. O Brasil, ressalto, está entre os países que menos confiam na mídia (https://revistaoeste.com/brasil/apenas-47-dos-brasileiros-acreditam-na-midia-diz-pesquisa-internacional/).

Identifico duas causas como importantes para a queda, a saber, a vontade quase inexistente que ela, a mídia, tem de olhar para si e fazer a autocrítica que tanto cobra de outras instituições e o afastamento e o descompromisso cada vez maior, principalmente com o advento das mídias sociais, com o trabalho de reportagem, que se reflete na vitória da opinião sobre a informação.

O conteúdo digital afastou leitores do jornalismo impresso e mesmo dos telejornais, reduziu performances de campanhas movidas a grandes audiências e levou à revisão das estratégias de muitos veículos de comunicação, que demitiram profissionais e reduziram estruturas.

Acompanho o trabalho da mídia com muita atenção desde o início da última década e vejo com muita preocupação a ansiedade de muitos profissionais da área por entrarem em polêmicas. Assim tem sido porque as mídias sociais exigem jornalistas com perfis destemidos e sempre prontos para esgrimir argumentos, ainda que sem base factual alguma. Desta forma, saiu de campo o jornalista anônimo que buscava as informações e as apresentava com a capa da imparcialidade e ocupou o espaço os articulistas, os opinadores e os palpiteiros, que, sem informações concretas a apresentar, ficam borboleteando, fazendo insinuações, falando platitudes ou expondo “consensos”. Tal caminho tirou da imprensa a vontade ou a capacidade de contar boas histórias, os repórteres deixaram de reportar, a informação deixou de circular, substituída pela opinião torcida e retorcida.

A mídia é umas das principais responsáveis pela própria crise, mas há certo exagero de parte da sociedade quando a ela atribuiu praticamente todas as mazelas que ocorrem. O que há de fato é que o poder não gosta da imprensa, mas precisa conviver com ela. Max Weber, em A política como vocação, diz com acuidade e genialidade como a convivência é conflituosa: “É de mencionar, por exemplo, a circunstância de frequentar os salões dos poderosos da Terra, aparentemente em pé de igualdade, vendo-se, em geral e mesmo com frequência, adulado, porque temido, tendo, ao mesmo tempo, consciência perfeita de que, abandonada a sala, o anfitrião sentir-se-á, talvez, obrigado a se justificar diante dos demais convidados por haver feito comparecer esses ‘lixeiros da imprensa’.”

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Uma das grandes contradições de nossos intelectuais, artistas, professores e outros da fauna pretensamente progressista é o amor que nutrem pelas próprias falas. E lutam para que elas ganhem o mundo nas ondas da mídia, enquanto paralelamente trombeteiam contra ela sempre que se sentem desgostosos com o que lá é veiculado.