O Brasil, a política e Maquiavel

08 de Dezembro 2019 - 17h48
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A imprensa sempre critica a maneira como alguns partidos políticos se conduzem para hipotecar apoio ao(s) Presidente(s) da República.

Todos criticam duramente a estratégia de buscar alianças com vários partidos. As críticas eram dirigidas ao antigo PFL (hoje DEM), ao antigo PMDB (hoje MDB) e atualmente são dirigidas principalmente ao Centrão, frente partidária identificada como o novo vilão fisiológico.

Ora, é da natureza dos partidos brigarem por espaços políticos. Em outras palavras, o instinto de lutar pelo poder está no DNA dos partidos políticos. E, pelo que me consta, partidos políticos só têm poder através dos espaços que controlam no aparelho do Estado. E isso significa cargos. E de preferência cargos importantes, que controlem verbas substanciais, que elaborem e toquem grandes projetos, etc.

Num regime político como o brasileiro, em que o Presidente precisa constantemente negociar, o jogo, por envolver um grande número de partidos, muitos deles fracionados, é predatório. Quem perde redutos, perde força. Para sobreviver, as raposas políticas precisam de muita astúcia, para impedir uma caça generalizada aos seus quadros.

Cada partido dificilmente deixa escapar a oportunidade de enfraquecer o(s) adversário(s).  

Nicolau Maquiavel apresentou uma novidade no início do século XVI: a reavaliação das relações entre ética e política.

O grande pensador florentino apresenta uma moral secular de base naturalista e estabelece a autonomia da Política, rejeitando a anterioridade das questões morais na avaliação política.

A ética maquiaveliana analisa as ações em função dos resultados da ação política; o que é moral é o que traz o bem à sociedade, sendo necessário e legítimo, às vezes, fazer o mal.

Segundo Maquiavel, se o governante aplicar de forma inflexível os padrões morais que regem a sua vida pessoal à vida política, não conseguirá governar eficientemente. A avaliação moral não pode e não deve ser feita antes da ação política, conforme normas gerais e abstratas, mas sempre a partir de um contexto bem específico, porquanto toda ação política dirigir-se à sobrevivência do grupo.

Enquanto os filósofos antigos e medievais procuravam descrever o bom governo, estabelecendo regras inflexíveis que moldassem o perfil do governante ideal, Maquiavel demonstra cruamente como de fato os governantes procedem. 

Alguns Presidentes foram eleitos montados num discurso moralista, mas no governo aprendem que a aprovação de projetos e propostas no Congresso Nacional exige negociação, incluindo aí cargos e verbas. Assim, o que acontece com os partidos da base governista é, de certa forma, responsabilidade dele. E são os recursos de que dispõe na Presidência da República, aliados à sua capacidade de negociação e convencimento, que poderão permitir um melhor encaminhamento do governo.

O bom governante é aquele capaz de compreender o jogo político real e suas circunstâncias concretas, identificando as forças em conflito a fim de agir com eficácia; os valores morais que regulam as condutas individuais não se aplicam à ação política – atividade que envolve o destino não de um cidadão, mas de toda sociedade.

Se o presidente tiver essa percepção antes, evita que as coisas sejam feitas apareçam apenas como manobras ardilosas, como se tudo fosse barganhado sorrateiramente, nas sombras.

Cabe ao Presidente atuar, às vezes, como árbitro do jogo político, fortalecendo o seu grupo e enfraquecendo e até isolando os grupos que lhes fazem oposição.

Distribuir cargos e verbas sempre foi e continuará sendo um dos elementos primordiais do funcionamento da política partidária, ainda mais num sistema de coalizão. Aqui ou em qualquer outro país. Qualquer manual de Ciência Política confirma a regra: os partidos políticos que formam uma coalizão querem ter o maior número possível de cargos sob o seu comando e lutam para manter a coalizão com o menor número possível de partidos.

A lógica e a dinâmica dos governos de coalizão são brigas intestinas, as lutas por espaços. Convém, entretanto, não conduzir as negociações políticas de forma atabalhoada e amadora, elas devem ser efetivadas em torno de um projeto de construção nacional.

As negociações que eliminem os partidos do jogo político e façam ligação direta com os movimentos sociais ou outros segmentos sociais não são bom caminho para o fortalecimento da democracia. E podem ser uma porta aberta para o fortalecimento desmedido do poder Executivo.

As ditaduras começam assim.