
Bolsonaro parece um D. Pedro I nos piores momentos de alucinação, sem a devida percepção do cargo que ocupa. Acha que ainda é um deputado federal do baixo clero, que pode falar, esbravejar, maldizer a tudo e a todos sem que suas falas ecoem ou ameacem a sociedade e a nação.
Hoje, presidente da república, qualquer dito ou ação atabalhoada dele reflete na vida milhões. A sua fala acima do tom no último dia 07/09 significou até ontem: alta no dólar, expectativa de repique inflacionário, queda de 4% na bolsa de valores (quase 200 bilhões de reais engolidos), tendência de aumento dos juros (restrição de crédito para consumidores e empresas). Além disso, o presidente perdeu ainda mais apoio político, e o isolamento político dele, que já era patente nos últimos dias, aumentou ainda mais.
As artreiragens do Supremo Tribunal Federal (STF) – que, diga-se, vêm de alguns anos, bem antes de Bolsonaro chegar à Presidência, mas que se acentuou demasiadamente d’uns tempos para cá – foi o mote para os apoiadores do presidente convocarem as manifestações que tomaram as ruas das principais cidades brasileiras, porque é das ruas que ele tenta ganhar energia e musculatura em meio à delicada crise institucional, com reflexos na situação econômica e social do país. Para uma delas, o presidente se dirigiu e fez o discurso explosivo.
A fala de Bolsonaro, na avenida Paulista, terça-feira passada, foi uma catilinária mal ajambrada, uma diarreia verbal quase suicida, porque ele não parece ter condições de bancar o que disse. E assim, seguiu o script batido: faz e diz coisas de afogadilho, sem pensar ou pensando tortuosamente, depois dá passos atrás e abandona à tropa ao Deus dará, e a postura inicialmente voluntariosa termina engolida por uma outra, acovardada, revelando um líder tatibitate, fenômeno que se repete desde o início de seu governo.
Não custa lembrar que, eleito sob a bandeira da moralidade pública, Bolsonaro viu parte de seu capital moral e político queimado pela presença de filhos enrolados, amigos enrolados, ex-mulheres enroladas e por aí vai. Apresentou-se como antissistema sem explicar ser isso depois de passar mais de duas décadas aboletado no parlamento nacional, sem contar o tempo de edilidade. E de candidato e presidente inicialmente antissistema tornou-se sistema desde novinho ao trazer para o seio do governo os profissionais da política do toma-lá-dá-cá, aos quais eufemisticamente chamamos de centrão.
Do terça-feira para cá o presidente está praticamente mudo (um alento para o Brasil), provavelmente consumido pela ressaca moral e política da destemperada audácia pouco arguta.
Há um ditado nosso que se ajusta com precisão ao que vive o pessoal do Palácio do Planalto: Quem não pode com o pote não pega na rodilha.