Tudo na CNTP

14 de Novembro 2022 - 08h26
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Lembro das aulas dos professores de ciências da natureza, no ensino básico, e das iniciais CNTP (condições normais de temperatura e pressão).

Indo para o fim a turbulenta fase do governo Jair Bolsonaro (sem contar os pleitos de 2018 e o deste ano), temos o Brasil voltando aos braços do PT e de seus aliados e o retorno à normalidade, à CNTP, com alguns membros do partido e os seus mais aguerridos, cegos e insanos militantes, os mais refratários a críticas, trocando cotoveladas com qualquer um que discorde das orientações iniciais para a montagem do governo Lula e vários deles já atacando o que chamam de PIG (Partido da Imprensa Golpista).

Vários jornalistas já foram fustigados nas redes sociais, entre os quais destaco Carlos Sardenberg e William Waack e, a bola da vez a ser cancelada, Eliane Catanhede. Os pecados deles (e há outros mais) foi dizer o que pensam e o que pensam estar em dessintonia com o que pensam os patrulhadores de plantão.

Fiquemos com o caso – o de Eliane Catanhede – que mais assanhou a militância, notadamente aquela ligada às pautas identitárias.

Referindo-se ao papel que a mulher do presidente eleito Lula vem desempenhando, a jornalista, citando algumas ex-primeiras-damas – entre as quais Ruth Cardoso, com importante papel durante o mandato do marido Fernando Henrique Cardoso –, teceu críticas a alguns exageros à proeminência de Janja, o suficiente para ser chamada de machista e de misógina por machistas e misóginos que não se cansaram de dizer grosserias sobre Marcela Temer, mulher do ex-presidente Michel Temer.

O jornalista André Trigueiro, visivelmente incomodado com a fala de Eliane Catanhede, entrou pelo meio e, depois de fazer um elogio envergonhado à jornalista, sapecou um “lugar de mulher é onde ela quiser estar”, desses jargões que não dizem nada. Se assim é, e não lembro de nenhuma fala de André Trigueiro e de qualquer outro jornalista, por que Marcela não poderia ficar satisfeita no lar? Ora até que ela se manifesta e diga o contrário, o lugar no qual ela gostaria de estar era lá, no lar, afinal era “bela, recatada e do lar”.

A questão é que lacrar dá ibope, gera simpatia entre a massa pretensamente crítica.

Tirando um ou outro escorregão de Eliane Catanhade, a fala dela é clara, precisa e certeira. Janja será primeira-dama, e só. Pode desempenhar papel importante, como fez Ruth Cardoso, intelectual profícua e prestigiada e que, de forma covarde e desleal, foi atingida pelo PT (https://www.youtube.com/watch?v=U8h2nqaJ3ms) , mas não deve exacerbar suas funções de primeira-dama, portanto ser apenas membro da família e o Estado, como já disse Sérgio Buarque de Hollanda, negando a tese não-contratualista da origem familial ou patriarcal do Estado, não é uma ampliação do circuito familiar ou a continuidade da organização familiar, pois não existe uma gradação entre o círculo familiar e o Estado, mas uma descontinuidade e mesmo oposição. Diz o historiador paulista (pai de Chico Buarque de Hollanda) que, quanto às relações entre Estado e família, “a verdade, bem outra, é que pertencem a ordens diferentes em essência”, estão – por complementação e não por derivação – em instância distintas, dado que o Estado não é simples dimensão superlativa e quantitativa da família e tampouco esta é miniatura do Estado, pois este “nasceu como oposição à ordem doméstica e nunca como seu complemento natural.” Diz o mestre: “Só pela transgressão da ordem doméstica e familiar é que nasce o Estado e que o simples indivíduo se faz cidadão, contribuinte, eleitor, elegível, recrutável e responsável, ante as leis da Cidade. Há nesse fato um triunfo geral do particular, do intelectual sobre o material, do abstrato sobre o corpóreo, e não uma depuração sucessiva, uma espiritualização de formas mais naturais e rudimentares, uma procissão das hipóstases, para falar como na filosofia alexandrina. A ordem familiar, em sua forma pura, é abolida por uma transcendência.”

Lula foi eleito para governar o Brasil. A Janja compete o papel de primeira-dama, que não necessariamente significa ficar em casa, mas não será nunca o de se intrometer nos assuntos públicos, não porque não seja competente, estudiosa, brilhante ou qualquer outro qualificativo, mas porque é família e família é instância privada. Exceto se o discurso anti-oligarquia familiar, proferido pelos mais puristas entre os petistas (ainda que vivam abraçados com tais manifestações oligárquicas), seja falso.

Janja e os filhos de Lula devem “sumir” enquanto o marido e pai governa o país, para que não voltem aquelas notícias acerca de sucesso econômico desmedido de filhos; para que também não digam, como fizeram por quatro anos com Bolsonaro, que sua família fica metendo o bedelho nos assuntos do governo.

Não sou dono de verdade alguma (se as verdades forem várias), entretanto reforço que ficou cristalino que Eliane Catanhede falou de cargos (https://www.youtube.com/watch?v=Ub7QfrZ1vJU), sem relação alguma com sexo/gênero. Procurar machismo e misoginia num debate sobre o papel de um familiar no espaço público/administrativo é típico de quem quer desvirtuar o assunto, estratégia de mal-intencionados.

A ressurreição da narrativa sobre a existência do PIG está em andamento.