Teoria dos jogos e política

27 de Novembro 2023 - 10h09
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Escrevo a cada 15 dias neste espaço e depois de escrever por três semanas seguidas, passei duas afastado, numa espécie de férias informal. Volto hoje, para agonia dos meus 3 ou 4 leitores, escrevendo sobre assunto, teoria dos jogos, pelo qual tenho muito apreço e que me tem tomado um pouco do tempo, desde que passei a lecionar, com mais frequência, a disciplina de Filosofia da Ciência.

Teoria dos jogos é um ramo da matemática responsável por estudar interações estratégicas em contextos nos quais o resultado obtido por um agente depende de suas próprias decisões/ações e, também, das de outros.

É muito útil para entender muita coisa – política, economia, relações internacionais, ecologia, psicologia, etc.

Nos jogos de interesse, é possível dizer algo sobre qual será o resultado final e, aí, é corriqueiro o uso de computadores para fazer simulações ou modelagens, conforme afiança, em O Gene Egoísta, Richard Dawkins.

Para ele, programas computacionais são empregados “em todos os campos onde a previsão futura é necessária”, tendo em vista simulações eletrônicas serem vantajosas, com aproximações probabilísticas, por diminuir o tempo para observar os efeitos de uma ação, se esta vier de fato a ocorrer, funcionando como substitutas eficientes à prática aleatória da tentativa e erro.

Aplicada aos acontecimentos que se desenrolam no Brasil nos últimos dez anos, pode nos ajudar a entender dinâmica do nosso espaço público, oferecendo-nos resposta acerca das respostas que os agentes políticos dão quando confrontados com determinadas situações.

Uma estratégia clássica de teoria dos jogos é a Tit-For-Tat, segundo a qual um agente responde a outro com comportamento similar (X coopera se Y cooperar, mas retalia se Y desertar).

Na política é assim: se um agente radicaliza endurecendo o jogo, o outro provavelmente vai responder da mesma forma, criando um ciclo de ações negativas e cada vez piores. Se, porém, um demonstra autocontenção, o outro poderá retribuir, levando a um ambiente mais ameno e mais cooperativo. 

Num regime democrático, toda divisão partidária radical (motivada por qualquer impulso) leva à polarização e toda polarização ameaça o equilíbrio do sistema, pois alimenta um ciclo vicioso de Tit-For-Tat, com cada lado justificando suas ações como respostas ao que avalia e percebe como transgressões do outro, levando a uma escalada que muito provavelmente porá a ordem democrática em risco. 

A democracia é um arranjo institucional de gestão de conflitos no qual agentes atuam respondendo às ações e decisões de outros. O equilíbrio do sistema depende de os agentes aceitarem uns aos outros como participantes legítimos do jogo. Sem isso, o Tit-For-Tat certamente escalará para posições cada vez mais excludentes. A corrosão surgirá provavelmente como recusa em fazer concessões/acordos, demonização da oposição, descumprimento de normas e convenções, etc com cada nova ação ultrapassando novos limites e abrindo espaço para que a próxima ação siga ainda mais adiante e com ainda mais força, intensidade e volume, numa espiral que devora a tudo que encontra pelo caminho.

O grupo que ascendeu aos postos de comando no Brasil, em 2022-23, fez campanha amparado num discurso de paz e união, que, ressalte-se, não vem cumprindo. Os seus opositores, por sua vez, não depuseram as armas e seguem firmes e ostensivamente vigilantes e mesmo marciais. Logo, considerando tais variáveis, devemos cuidar para que ações muito agressivas (incluindo as retóricas) não alimentem o que a nação pretende (ou diz pretender) superar e vencer.

Exceto se quisermos trocar um autoritarismo por outro.