Supremo blinda Congresso de medidas de Bolsonaro que atropelam Legislativo

06 de Janeiro 2020 - 06h27
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O STF (Supremo Tribunal Federal) tem barrado atos do governo Jair Bolsonaro com o entendimento de que, na maioria dos casos, desrespeitam a atribuição do Congresso de legislar sobre diferentes temas, sobretudo os que têm impacto na área social.

Nomes da oposição e do meio jurídico veem na atuação do STF um instrumento de contenção de alegados desmandos do governo. A corte decide nesses casos quando é provocada por agentes externos, como partidos políticos, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o Ministério Público.

O exemplo mais recente foi a suspensão de uma medida provisória editada por Bolsonaro em novembro para extinguir o seguro obrigatório DPVAT, que direciona recursos para a saúde pública. A decisão, por 6 votos a 4, foi tomada no plenário virtual do Supremo em 19 de dezembro.

“Como a legislação sobre seguro obrigatório regula aspecto essencial do sistema financeiro, para o qual se exige lei complementar [aprovada no Congresso], o tema não poderia ser veiculado na medida provisória”, considerou o relator do processo, ministro Edson Fachin, que foi seguido pela maioria dos colegas.

No mesmo sentido, o plenário do Supremo derrubou em agosto, por unanimidade, uma MP de Bolsonaro que transferia da Funai (Fundação Nacional do Índio) para o Ministério da Agricultura a responsabilidade de demarcar terras indígenas.

 

Bolsonaro editou uma segunda medida provisória sobre esse tema depois que o Congresso rejeitou a primeira, que já havia tentado fazer a mudança na estrutura da administração. O recado mais duro veio do decano do STF, ministro Celso de Mello, durante o julgamento.

“O comportamento do atual presidente da República, revelado na reedição de medida provisória clara e expressamente rejeitada pelo Congresso Nacional, traduz uma clara, inaceitável transgressão à autoridade suprema da Constituição Federal e representa inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação de Poderes”, afirmou.

“Uma visão do processo político institucional que se recuse a compreender a supremacia da Constituição e que hesite em submeter-se à autoridade normativa dos seus preceitos [...] é censurável. É preocupante essa compreensão pois torna evidente que parece ainda haver, na intimidade do poder hoje, um resíduo de indisfarçável autoritarismo, despojado sob tal aspecto, quando transgride a autoridade da Constituição, de qualquer coeficiente de legitimidade ético-jurídica.”

Também por unanimidade, o plenário do tribunal limitou, em junho, o alcance de um decreto de Bolsonaro que permitia extinguir todos os órgãos colegiados da administração federal, como conselhos, comitês e comissões —o que, na visão dos críticos, visava restringir a participação da sociedade na tomada de decisões.

Acompanhando o voto do relator, ministro Marco Aurélio, o STF proibiu o presidente de fechar os colegiados previstos em lei, ou seja, aqueles que foram criados pelo Congresso.

“Qualquer processo pretensamente democrático deve oferecer condições para que todos se sintam igualmente qualificados para participar do processo de tomada de decisões”, disse Marco Aurélio no julgamento referindo-se ao acesso aos conselhos.

Com argumento diverso dos anteriores, mas também demonstrando preocupação com um possível viés autoritário, o ministro Luís Roberto Barroso suspendeu, em dezembro, as alterações que Bolsonaro fez no Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente).

Folha de S. Paulo