
Vai longe o tempo em que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupava um espaço de destaque no cenário nacional. No governo do tucano Fernando Henrique Cardoso, o MST comandou a “luta” pela reforma agrária — uma sequência interminável de invasões de propriedades privadas e prédios públicos, que obedecia a critérios políticos. Nas gestões petistas, o MST conheceu as maravilhas da vida de quem tem acesso privilegiado às verbas públicas. Só na gestão de Dilma Rousseff, associações ligadas ao movimento receberam 106 milhões de reais em repasses da União, o que ajudou a financiar grandes manifestações. Como detentor da chave do cofre, o PT cobrava a devida contrapartida e fez do MST um instrumento de disputa política a serviço do partido, cujos dirigentes, em mais de uma ocasião, ameaçaram colocar “o exército vermelho” dos sem-terra nas ruas ou nas fazendas para constranger adversários. Esses tempos de glória acabaram. Sob Jair Bolsonaro, que assumiu a Presidência prometendo que “nossa bandeira jamais será vermelha”, o movimento perdeu capacidade de mobilização, recursos e praticamente saiu de cena.
Um exemplo do esvaziamento do MST é o chamado Abril Vermelho, uma mobilização nacional em defesa da reforma agrária que era realizada todos os anos e foi idealizada para homenagear os dezenove sem-terra mortos pela Polícia Militar, no Estado do Pará, em abril de 1996. Neste ano, o MST e seus associados não foram às ruas sob a alegação de que, diante da gravidade da pandemia, era preciso evitar aglomerações e respeitar o distanciamento social. A justificativa faz sentido, mas ela não explicita o principal. Mesmo se a pandemia estivesse debelada, o MST não conseguiria colocar 100 000 pessoas nas ruas de Brasília ou promover 100 invasões de terra num único dia como foi capaz de fazer no passado. Falta dinheiro ao movimento. E sem o dinheiro caiu o número de associados e de atos. Antes da pandemia, havia 120 000 famílias debaixo de lonas e em barracos de madeirite espalhadas pelo país. Agora, são 80 000. Vangloriando-se do feito, o presidente Bolsonaro já disse que houve apenas cinco invasões de propriedade em seu primeiro ano de mandato, ante uma média de 258 invasões nos anos iniciais dos mandatos de Lula e Dilma e Fernando Henrique.
Entre as razões para a perda de força do MST estão, além da dificuldade financeira, duas medidas incentivadas pelo governo Bolsonaro. Uma delas é o armamento dos fazendeiros, que se sentem estimulados a reagir a tentativas de invasão de suas propriedades. “O MST efetivamente é uma organização criminosa que prestou e continua prestando um desserviço à nação”, afirma o ruralista Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, que adora contar que sempre dorme com uma arma debaixo da cama. A outra iniciativa é a distribuição de títulos de propriedade de terra a assentados. Um pequeno agricultor que foi militante do MST por duas décadas contou a VEJA que recebeu o título de seus 25 hectares em Goiás, o que foi suficiente para o preço do terreno subir cinco vezes. “Eles estão tentando cooptar a nossa base, entregando títulos de propriedade privada, com a ilusão de que aí vão ser pequenos empreendedores, para induzi-los na primeira crise a vender”, disse João Pedro Stédile, líder do MST, ao fazer um balanço das atividades do movimento em 2020. A princípio, o movimento existe para que seus participantes recebam terra. Reclamar disso mostra que, na verdade, a principal preocupação é a manipulação política — e não a vida dos agricultores.
Diante de tal quadro, a principal aposta do MST agora é defender a volta de Lula ao poder. Um dos mais ativos coordenadores nacionais do movimento, Alexandre Conceição afirma que o grupo vai “seguir junto” com o ex-presidente em 2022. A aposta na redenção por meio dos petistas faz sentido, já que a cúpula do MST sempre recebeu privilégios do partido e enfrenta atualmente sérias dificuldades para segurar a sua base. Hoje, inclusive, lida com uma defecção que ganha força a cada dia. É crescente a criação de acampamentos pela Frente Nacional de Luta (FNL), entidade que abrigou líderes do MST que não concordavam com o alinhamento de Stédile e companhia ao governo petista. “O MST cruzou os braços desde o governo do Lula. Largamos o MST porque não concordamos com o apoio do movimento ao PT. Não nascemos para que partido político venha nos direcionar”, diz Cláudio Oliveira, que militou por mais de duas décadas nas fileiras do MST e hoje é um dos coordenadores da FNL. “Hoje o MST abre um acampamento e não dá assistência às famílias”, critica Oliveira.
Com informações da VEJA