Rogério Marinho: Reforma tributária não pode ser uma mensagem na garrafa

06 de Novembro 2023 - 04h25
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Não quero usar esse espaço apenas como líder da oposição no Senado Federal. Peço licença para antes lembrar ao leitor do jornal digital Poder360 que relatei a reforma trabalhista em 2017. Em 2019, como secretário de Previdência e Trabalho, coordenei a equipe que elaborou e, consequentemente, aprovou a reforma da Previdência ao Congresso Nacional em 2019. Após ser nomeado ministro do Desenvolvimento Regional, articulei a aprovação do marco do saneamento junto ao Senado.

Os 3 assuntos, conduzidos pelos governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), sempre foram tabus no país, necessitando de grande empenho junto ao Congresso Nacional, de maneira que a versão aprovada não aguasse em mera carta de intenções. Logo, não se espera de uma reforma estrutural a falta de visão de país, o aumento da incerteza e o descompromisso com gerações futuras.

Creio estar credenciado para afirmar que a reforma tributária está à deriva. Não levará o país a um bom destino, salvo grande mudança de seu curso. Sabemos apenas que o trabalhador comum irá remar mais do que aqueles que alcançaram benefícios tributários, isenções e regimes especiais. Isso porque, do texto que veio da Câmara, cerca de 5 pontos a mais de alíquota constarão em um fardo para o contribuinte médio. Foi transferido para a população toda a omissão do Poder Executivo no debate.

Teremos o maior IVA (Imposto sobre Valor Agregado) do mundo porque os atuais mandatários transformaram o processo decisório da reforma no paraíso das corporações. Ao mesmo tempo, em um inferno para a população que se vê sem o contrapeso do governo no debate. Seja ele operário, dona de casa, motorista de aplicativo ou estagiária começando a vida de pagamentos de impostos. Esse ônus acaba de ser ampliado na 1ª versão do relatório apresentado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. Eis a íntegra do documento (PDF – 1 MB).

O governo sequer conseguiu impor aos senadores do PT que não protocolassem pedidos de isenções a minorias organizadas. Quanto mais a sua própria base. Tal inação permitiu, entre outros exemplos, que grandes escritórios de serviços com profissões regulamentadas, ou seja, que possuem conselho e curso superior, tivessem direito a alíquotas diferenciadas. Não falamos aqui daqueles que já estão nos Simples. Falamos de empresas que faturam milhões por ano. Como acreditar em uma reforma, que alguns prometem ser tão boa, se cerca da metade das até agora mais de 718 emendas objetivam fugir do enquadramento?

O governo Lula (PT), além de ter permitido uma reforma com dano regressivo, ou seja, que pune os mais pobres e protege os mais ricos, relegou sua tramitação a uma inexplicável inércia. O presidente não foi menos mesquinho do que qualquer um dos setores favorecidos. Percebeu objetivamente que a reforma tem implementação mínima em sua gestão. Sendo assim, ninguém perceberia os R$ 300 bilhões de isenções a serem arcados pela população, num país em que os subsídios já chegam a R$ 500 bilhões por ano.

Mais ainda, permitiu que seu Ministério da Fazenda aumentasse o Fundo de Desenvolvimento Regional para R$ 60 bilhões por ano, sem nenhuma fonte de receita. Ou seja, grosso modo, permitiu acréscimo de 0,6 ponto percentual na relação dívida/PIB a cada ano indefinidamente. Tudo isso enquanto muito recentemente furou o casco do novo arcabouço fiscal. Violar a meta fiscal, de acordo com o presidente, “não é nada” –ignorando o fato de que piora as perspectivas de crescimento do país.

Gerações futuras pagarão com mais endividamento. As consequências disso são muito conhecidas e sequer completaram uma década desde que experimentamos pela última vez. Dilma Rousseff (PT) foi responsável por um incremento de pelo menos 20 pontos percentuais na relação dívida/PIB. Vivemos ali a mais profunda recessão desde 1948. A perda de confiança no período afugentou investimentos locais e externos, gerou inflação e explosão no desemprego.

Nada disso significa que somos contrários uma reforma tributária. Pelo contrário, vimos que os últimos 6 anos proporcionaram um conjunto expressivo de transformações, recuperação do emprego e tracionamento da economia. Isso é atestado pelas agências de classificação de risco, que apontam unanimemente para as reformas como o fio condutor desse processo.

Mas não podemos ter qualquer reforma. Assim como também não podemos acreditar em meras propostas de aumento de receitas. Está comprovado que se faz necessário um programa amplo de revisão e de qualidade do gasto público. Houve naufrágio da arrecadação nos últimos 4 meses. No entanto, o governo reestabeleceu gastos inercialmente crescentes, como no caso do PAC e da regra permanente de reajuste de salário mínimo.

O compromisso com bons resultados requer arregaçar as mangas e inverter essa lógica. Por experiência própria, afirmo que não é fácil lutar contra os lobbies dos governadores e as empresas de saneamento estaduais. Acabar com o imposto sindical representou um alto custo político. Garantir economia de quase R$ 1 trilhão ao construir regras de aposentadoria mais justas não é trivial. Foi preciso, em todas essas situações, de atuação decisiva e, sobretudo, de posicionamento do governo federal. Quando o governo se omite do debate, não temos uma reforma. Temos uma mensagem na garrafa, jogada ao mar a sua própria sorte. Encontrar esse frasco e chegar a um destino que não seja inóspito é missão que Lula, irresponsavelmente, entrega a futuras gestões.

Com informações do Poder 360