Por que os casos de trombose venosa estão aumentando sem parar?

13 de Março 2024 - 09h13
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Para alguns, o caminho do sangue de volta para o coração, depois de ter descido para irrigar os membros inferiores até a ponta dos pés, torna-se árduo, como se ele fosse obrigado a enfrentar um trânsito lento ao subir uma ladeira íngreme.

Aumenta, então, o risco de a perna inchar de repente, ficar afogueada e arder como estivesse em brasas. Estes são os sinais capazes de acusar que um trombo, ou coágulo, se formou em uma veia, bloqueando o trajeto no retorno da circulação. Ou seja, são indícios de uma trombose venosa.

"As pessoas, quando escutam esse nome, correm para o pronto-socorro com medo de uma amputação. Fazem bem em procurar atendimento depressa, mas esse receio é um equívoco. Na trombose venosa, você não perde a perna. Mas pode perder a vida", esclarece o angiologista paraense Armando de Carvalho Lobato. Ele é o atual presidente da SBACV (Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular), que, no final do ano passado, fez um alerta sobre o crescimento dessa ameaça no país.

Os números
Se, em 2012, foram pouco mais de 21 mil casos e 59 internações por dia por causa de trombose venosa no SUS, bastou passar uma década e, em 2022, tivemos um total de 35.172 hospitalizações, sendo uma média de 98 por dia. E em 2023, somente até outubro, a média de internações diárias já tinha dado novo salto, indo para 105.

"A nossa quantidade de casos deve ser até maior", pensa o doutor Lobato, que também é diretor do Instituto de Cirurgia Vascular e Endovascular, em São Paulo. Ele elenca as razões dessa desconfiança: "Os registros do Ministério da Saúde de trombose venosa no Norte são baixos, discrepantes proporcionalmente em relação aos das outras regiões brasileiras. Portanto, deve haver uma subnotificação entre os nortistas. Além disso, nem todas as pessoas que sentem os sintomas suspeitam de algo perigoso e procuram um hospital. Algumas chegam a morrer sem terem esse diagnóstico. Por fim, o número deve ser bem mais alto porque esses dados não consideram os pacientes da rede privada."

Vacina de covid-19: acusada sem motivo
Indiscutível é que aqui, como no resto do mundo, a trombose venosa vem se tornando mais comum. No entanto, o tempero brasileiro para essa história foi que, ao divulgar o aumento de casos, a SBACV recebeu comentários de gente especulando que a vacina contra a covid-19 seria a razão. "Daí que resolvemos fazer um outro levantamento, cruzando os registros da trombose com os números da vacinação. E mostramos que uma coisa não tinha a ver com a outra", afirma Lobato.

Então, o que será que justificaria a escalada da trombose venosa? É preciso entender como acontece o problema para dar possíveis explicações.

Há tromboses e tromboses
Ou melhor, há dois tipos, que as pessoas costumam confundir como se fossem uma coisa só.

Existe a trombose arterial que, como o nome diz, acomete uma artéria — vaso que leva o sangue que foi oxigenado nos pulmões para os mais diversos órgãos e tecidos do corpo. "No caso, o que obstrui a passagem da circulação em até 75% das vezes é uma placa gordurosa, mole e instável, que se rompe de uma hora para outra e desencadeia um coágulo", descreve Lobato. 

Já se a artéria problemática se localiza na perna, ao contrário do que acontece na trombose venosa, ela fica fria, além de esbranquiçada ou arroxeada, justamente porque está deixando de ser abastecida de oxigênio pela corrente sanguínea. "Quando o sangue oxigenado para de chegar, o tecido morre e, aí sim, o sujeito pode perder a perna, a não ser que seja reestabelecida prontamente a circulação", informa o médico.

O paciente de trombose arterial geralmente tem familiares que já infartaram ou que tiveram um AVC e deverá ser acompanhado de perto, até para manter as taxas de colesterol sob controle.

Já o risco de trombose venosa aumenta por outras razões. E ele é bem maior em quem tem um veia anormal. Veias são os vasos que fazem a rota inversa e levam o sangue repleto de gás carbônico para o coração.

A força das panturrilhas
Existem duas estratégias para o sangue vencer a gravidade, subindo na direção do coração. "Uma delas é caminhar. A cada passo, a musculatura da panturrilha, na batata da perna, espreme as veias da região", conta Armando Lobato.

O aperto provoca um esguicho do sangue no interior desses vasos. Talvez imagine: se a gente joga água para cima, ela cai "Aqui, isso não acontece porque as veias, diferentemente das artérias, têm válvulas", diz o médico. "Quando o músculo da panturrilha faz a compressão, essas válvulas se abrem e, no instante seguinte, se fecham, sem deixar o sangue voltar", descreve o doutor. Desse modo, ele vai subindo por compartimentos, como pulasse de um andar para outro, logo acima.

Outro mecanismo para fazer a circulação correr por veias acima é a respiração. "Quando você inspira, cria uma pressão negativa que seria comparável ao efeito de um aspirador, puxando o sangue venoso", explica o médico. "A respiração, porém, não ajuda tanto quanto a caminhada. É um recurso do organismo que, digamos, quebra um galho por umas três horas, se a veia é normal. Se você fica muito tempo sentado, logo sente esse limite: a partir de um momento, pés e pernas começam a inchar."

Segundo Armando Lobato, a obesidade, determinadas doenças genéticas e a gravidez são exemplos de condições que podem fazer as válvulas de uma veia não funcionarem tão bem. Então, vivendo semiabertas, deixam uma parte do sangue descer.

"Só que isso nunca acontece na veia inteira, mas em um compartimento dela. E o que está logo abaixo, continuará mandando sangue normalmente", explica o especialista. "Vindo de cima e vindo de baixo, o volume sanguíneo poderá dobrar naquela porção, que logo irá se dilatar."

Então, especialmente se a pessoa faz pouco exercício físico, a parede do vaso, que é permeável, deixa escapar plasma, a parte líquida do sangue, causando o inchaço. É uma estratégia para não se arrebentar. Mas a questão maior nem é essa: quando a circulação está em velocidade lenta e perdendo volume, o organismo entende que a veia está em apuros, formando um coágulo, como se precisasse fechar um machucado para estancar uma hemorragia.

Hoje, há medicações que podem resolver isso até sem necessidade de internação, isto é, quando o problema é diagnosticado ligeiro. O perigo, se isso não acontece, é o coágulo viajar pelas veias até alcançar o pulmão, bloqueando seus vasos e impedindo suas trocas gasosas. E é esse quadro, o da embolia pulmonar, que costuma ser fatal.

Outras causas
Existem indivíduos com tendência genética à trombose venosa — quem tem parentes de primeiro grau que passaram por esse susto precisa ficar esperto. Mas a incidência disso não muda tanto ao longo do tempo.

O tabagismo, algumas doenças autoimunes e as alterações hormonais da gravidez e do puerpério são outros fatores de risco, bem como o uso de certas pílulas anticoncepcionais.

Mas, para Armando Lobato, é mais provável que, por trás do crescimento de tromboses venosas, esteja o aumento da obesidade, do sedentarismo e até de casos de câncer com o envelhecimento da população. "Os tumores malignos favorecem o surgimento de coágulos mesmo em quem tem veias normais. Tanto que, muitas vezes, descobrimos um câncer de mama ou de outro órgão investigando o que causou a trombose venosa"

Com informações de UOL