Paulo Cunha: atleta, professor e educador esportivo

28 de Dezembro 2019 - 06h28
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Fim de tarde de uma terça-feira. Paulo Cunha me recebe em sua residência. Em meio a livros, fotos, medalhas, diplomas que contam a sua história, inicia-se uma conversa mágica num local onde se respira basquete. Na companhia dos dois filhos gêmeos e de um dos cinco netos que brinca com uma bola, decerto, Paulo, no auge dos seus 83 anos, demonstra uma impressionante lembrança de momentos, locais e datas. 

Um tempo mágico que conta a história de um atleta potiguar extraordinário e que se tornou um formador de jovens, sem discriminação ou privilégio de classe ou origem, pelo esporte.

O tempo de Paulo Cunha se perpetua, indefinidamente. Teria alguma razão o fato de ter escolhido do basquete a sua vida? Talvez, afinal, no basquete, o cronômetro para se não há jogo, tendo ele encontrado, no basquete, um jeito infantil de ser feliz.  

O tempo apresenta histórias curiosas. Como todo bom brasileiro, despertou para o esporte por meio do futebol na época do Colégio Salesiano. “Louco por futebol”, como ele se definiu, foi goleiro e zagueiro, jogando no juvenil do América onde foi vice-campeão e ouviu uma piada no vestiário de que “jogador grande não sabe jogar de zagueiro”. Chateou-se e deixou o clube. Ney Andrade lhe levou para jogar no ABC, onde foi campeão. Num treino, chegou às vias de fato com Jorginho, “monstro sagrado” do clube, após aplicar “um traço” no ídolo, que não gostou.

Simpatizou com o ciclismo, tendo construído suas duas primeiras bicicletas e montou um grêmio onde vários amigos pedalavam juntos pelas redondezas da cidade. Em 1952, foi para o Centro Náutico Potengi, onde teve uma temporada inteira de vitórias. Diz que o remo lhe educou para o esporte, num ambiente fantástico em que o condicionamento físico tinha de estar em alta.

Em novembro/1955, foi apresentado a bola ao cesto quando estava no Exército. O capitão disse-lhe que ele era muito musculoso, não vingaria no esporte. Em 1956, Paulo largou o remo e passou a se dedicar para provar ao capitão que jogaria basquete.  Comprou uma coleção de quatro volumes sobre o esporte em espanhol para estudar e treinar fundamento, diariamente. Fez sua estreia pela AABB, foi eleito à revelação do ano e convocado para a seleção do RN. Tudo ao mesmo tempo agora no ano que decidiu ser jogador de basquete e calar o capitão.

A partir daí, o anônimo virou ídolo. Sua história no basquete é lendária. Pela AABB foram 14 campeonatos estaduais e 13 títulos. Venceu 3 campeonatos Norte-Nordeste. Foi campeão estadual por 7 vezes pela AABB no decacampeonato (1953/1962). Em 1958, foi o cestinha do Estadual e, atuando pela seleção do RN, 5º lugar no Brasileiro, 1º do Nordeste e vice-campeão de lances livres, cabendo o 1º lugar a outro potiguar, Nilo Machado. No Brasileiro/1961, em Fortaleza, o RN foi 4º lugar e Paulo Cunha fez 128 pontos, sendo o 2º cestinha atrás apenas do paulista Renê Salomon e isso foi a sua porta de entrada para a Seleção Brasileira, onde venceu o Torneio Sesquicentenário do Paraguai (Assunção) e o Sul-americano de 1961 ao lado de Wlamir Marques, Amauri, “Rosa Branca” e outros.

Tornou-se amigo do paulista “Rosa Branca” e do cearense Benjamin, seus parceiros durante os dois meses de treinamentos na seleção, em Niterói. Ao voltar, com novo estilo de jogo, saindo do garrafão para receber a bola, os amigos daqui reclamaram que a seleção havia “acabado com Paulo Cunha”, diz entre risos. 

Se um dia, o cronista Armando Nogueira definiu, metaforicamente, a “Magic” Paula em quadra como uma “cesta de mil hortênsias perfumadas”, porque não dizer que Paulo Cunha é a “pureza de um cesto de rosas-brancas”? 

Em 1962, recebeu violenta carga elétrica no vestiário, em Franca/SP, que comprometeu seu braço e, consequentemente, o desempenho num momento em que estava “voando”. Um choque que se tornou sua única frustração no basquete.

Foi o primeiro atleta do Estado a cravar (enterrar) a bola na cesta, mas embora tivesse um “jump” privilegiado, a sua jogada capital e que tem a sua assinatura é o famoso “gancho de Paulo Cunha”, uma jogada difícil que ele aperfeiçoou com muito treinamento, fazendo tanto com a mão direita, como a esquerda.

Ao jogar com os melhores jogadores brasileiros de basquete de sua geração, Paulo Cunha não deixa de citar seus principais parceiros potiguares: Roberto Siqueira, Fernando “Mosquito” Delgado, Fernando “Nando” Guerreiro e Luiz Jorge Leal, além de Gualter Câmara, para ele, o maior reboteiro que viu jogar e que lhe serviu de inspiração.

Paulo é um saudosista. Nota-se um carinho com as pessoas, em especial aqueles que já não estão mais entre nós, muitos deles seus companheiros de basquete. Entre eles, José Augusto Bezerra de Medeiros Sobrinho, o “Seu Zé”, seu treinador; Décio Holanda, de quem foi o primeiro assistente técnico na seleção feminina do RN; de Quincas, seu companheiro no último título estadual, pela AABB em 1977.

Paulo Cunha foi escolhido pela crônica esportiva potiguar para compor o time de basquete da AABB de todos os tempos, junto com Moacir, Nilo Machado, Quincas e Roberto Cavalcante (Bebeto), mas ele acha injusta a escolha de seleções gerais de um tempo. Acha que deveria ser de dez em dez anos. Refletiria mais justeza e homenagearia quem merecesse. Lamenta a ausência de Roberto Siqueira no time.

Ok, Paulo! Vamos recompor o quinteto com quem você achar que deve ser o time de todos os tempos. Paulo Cunha é o sexto, o sexto sentido de uma bola de basquete. 

Implantou o basquete com cadeira de rodas em Natal com a ajuda do Dr Roberto Vital, a fim de entender a biologia dos atletas.  Vê-se em Paulo Cunha o orgulho quando ele fala nos seus alunos e de ter montado a escola de minibasquete, em 1972, com tabelas menores. Estudou a forma de correr de Emil Zatopek, a “locomotiva humana”, para treinar a coordenação motora de seus alunos, que também eram ensinados a correr batendo a bola ora com uma mão, ora com a outra. Cada aluno tinha um livreto com as regras do basquete, estimulava competições de lances livres e torneios de garrafão, além de determinar que cada um tivesse o seu próprio apito para aprender a serem árbitros.

O tempo de Paulo Cunha ousa divergir da máxima difundida por Nelson Rodrigues de que “a unanimidade é burra”. Seus amigos, parceiros ou adversários em quadra, alunos, o tem como referência e reconhecem o esforço e o sacrifício dele como jogador ou orientador de basquete, sua disciplina tática, seu desempenho sempre no limite e a sua postura exemplar, dentro e fora da quadra, pessoal e profissionalmente.

Indagado se o basquete foi tudo para ele, sua resposta fala por si: “O basquete me proporcionou conhecer quase todo o Brasil. Conheci muita gente, fiz muitos amigos. Eduquei-me através do basquete e ajudei a educar gerações pelo esporte”.

Hoje, Paulo Cunha vive sua vida modesta, cuidando da esposa acometida de mal de Alzeihmer e que foi a grande companheira ao longo de sua vida esportiva. Tem orgulho dos filhos, todos eles o seguiram no esporte. As suas filhas, Ilma e Paula, também jogaram basquete, com Ilma hoje morando nos EUA. Rildo José ainda hoje joga pelo Masters, e Paulo diz que José Rildo tinha tudo para ser um grande jogador, se quisesse.

Aposentado da Companhia de Serviços Elétricos do Rio Grande do Norte, não fez da bola um meio de vida, pois a bola de basquete para ele sempre será fantasia. Paulo, o apóstolo que teve a visão e foi mensageiro do esporte, cunhou, com uma bola de basquete, os meninos de sua escolinha a ter uma formação esportiva, humana e ética, e hoje, toda essa turma tem com ele a gratidão do aluno para o mestre, do educando para o educador, do pupilo para orientador, de admirador para o ídolo.

Na última postagem do ano, a homenagem do Blog do Kolluna a uma memória viva do esporte potiguar, citando a frase de outro monstro da bola ao cesto, o “alemãozinho” Wlamir Marques, colega de Paulo Cunha na seleção brasileira, que ao descerrar a placa de inauguração do ginásio que leva o seu nome em sua cidade natal, no Clube Tumiarú, em São Vicente/SP, disse: “Quando você é homenageado em vida, ninguém chora por você, você mesmo chora”.  

Sua benção, Paulo Cunha!!!