Meu voto é secreto, mas nem tanto

16 de Outubro 2022 - 09h21
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Sempre que ocorrem eleições presidenciais, amigos, colegas, familiares e conhecidos me perguntam, alguns com certa insistência, em quem voto e, apesar de o voto ser secreto, não me furto em dizer, afinal não há motivo para eu esconder as minhas opções eleitorais.

Vou ficar nas três últimas eleições, porque, tirando o 1o turno da eleição presidencial de 1989, sempre votei em Lula (2º turno de 1989, em 1994, 1998, 2002 e 2006 e em Dilma, em 2010). De 2014 em diante, deixei de votar nos candidatos do Partido dos Trabalhadores. Cravei Marina, nos primeiros turnos de 2014 e 2018, não votei no 2º turno de 2014, pois estava fora do país, e anulei meu voto em 2018, como o farei agora, em 2022. Também foram as eleições que dispararam o gatilho para eu não mais votar num candidato do PT, exceto se a postura dos seus dirigentes (possível) e de sua militância (quase impossível) mudar.

O jornalista, advogado, escritor e político brasileiro Paulo Alberto Moretzsonh Monteiro de Barros, mais conhecido como Artur da Távola, um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), pelo qual foi eleito deputado federal e senador, dizia que, no Brasil, a direita é perversa e a esquerda, intolerante. As duas últimas eleições presidenciais demonstram, com precisão, que o diagnóstico de Artur da Távola é correto, ainda que eu não vá me deter neste assunto, porque o meu objetivo é outro.

A partir das eleições de 2018 (foi até um pouco antes, mas usarei 2018 como marco) acostumei-me a ser chamado de fascista pelos intolerantes da esquerda. Um, ao qual conheço desde 1987, com quem cheguei a estudar e que há uns dez anos é colega de trabalho na mesma instituição, veio ao meu perfil nas redes sociais pra esbravejar porque eu negava voto, no 2º turno, a Fernando Haddad, para presidente, e a Fátima Bezerra, para governadora. Depois de me fustigar por eu não votar nos candidatos do PT, acusou-me de beber e comer no cocho das oligarquias familiares do Rio Grande do Norte, em quem nunca votei, e na qual ele deve ter votado cegamente – em Carlos Eduardo ou em Rafael Mota, dois lídimos representantes dos grupos oligárquicos aos quais o PT e o fulano diziam (e um dia dirão novamente) odiar. Segui a minha consciência e anulei o voto; não me arrependo, afinal as opções de voto branco e voto nulo estão à disposição do eleitor justamente por serem legais e legítimas.

Neste ano, recusei-me, quando questionado por amigos e colegas, a cravar voto útil para Bolsonaro ou Lula. Preferi, apesar das enormes reservas que tenho quanto ao seu projeto econômico, atrasado em pelo menos meio século, votar em Ciro Gomes.

Eleição em dois turnos dá ao eleitor a chance de escolher, no 1º turno, o candidato de sua preferência e no 2o turno, por eliminação, optar entre dois. Optar pode não ser escolher um, mas renunciar a ambos.

A divisão da eleição em dois turnos é sábia porque garante necessariamente ao eleito mais de 50% de preferência do eleitorado. O voto útil no 1º turno determina uma espécie de salvo-conduto para o candidato sufragado, pois se ele leva o pleito de imediato, em meio aos votos despejados no balaio estão eleitores dele e eleitores que não são dele e, aí, o eleito pode utilizar o discurso de que o seu projeto foi aprovado nas urnas. Havendo 2o turno, é possível dizer exatamente o tamanho do candidato (votos do 1º turno) e quem a ele aderiu na nova rodada, obrigando em tese ao candidato adequar as propostas encaminhadas no turno inicial.

Espera-se, no 2º turno, que os candidatos, agora em confronto direto, sejam mais racionais e apresentem os seus programas de governo. Infelizmente, não é o que ocorre. E na eleição deste ano está longe, mas muito longe de acontecer. Ttanto Lula como Bolsonaro acham desnecessário apresentar propostas de governo e os eleitores, tragicamente, estão em perfeita sintonia com a trilha na qual os candidatos resolveram trafegar.

O atual presidente se satisfaz em distribuir caneladas e em fazer acusações gratuitas, algumas inteiramente descoladas da realidade (antes que algum apressadinho venha escrever sobre os crimes apontados pela Lava Jato, adianto: não é sobre o que escrevo aqui), enquanto para o ex-presidente basta lembrar o que fez quando chegou ao Planalto, em 2003, como se 2003 e 2023 fossem a mesma coisa.

Lembram-se da herança maldita a que Lula se referia em 2003? Pois é, ela não existia, como a sequência dos seus dois governos demonstraram. E existia, se Lula continuar dizendo que o Plano Real, o qual o PT recusou como estelionato eleitoral, não foi feito.

A perversidade da direita, a intolerância da esquerda, a leviandade e a falta de maturidade de ambas e as mentiras deslavadas que se acostumaram a contar, levam-me a seguir o caminho de negar voto a ambas. Sem que eu me sinta responsável pelo que pode ocorrer na sequência, pois ao fim e ao cabo fiz escolhas, no 1º turno de 2014, 2018 e 2022, pela distância da perversidade e da intolerância, que se repetem na nossa história de forma trágica. O que retorna depois de ter passado é porque continua a existir.