Maria Magnólia Figueiredo: uma estrela de Natal

27 de Dezembro 2020 - 06h39
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Uma tarde qualquer de dezembro. A pandemia do Coronavírus impõe distanciamento social obrigando, aos que são prudentes, obedecer protocolos e recomendações sanitárias. A pandemia impediu que Magnólia e José Figueiredo, seu esposo, estivessem, naquele dia, afivelando malas e seguir para Abu Dhabi, a fim de se encontrar com Luiza, sua única filha, e rever o neto. O genro trabalha no campus de uma universidade de Nova Iorque nos Emirados Árabes Unidos. A filha fez o inverso da mãe, que nunca deixou o solo potiguar para trabalhar e fazer o seu nome profissionalmente. Ao invés, sempre enalteceu o nome do Rio Grande do Norte sem sair do pequenino Estado, tornando-se uma estrela do esporte nacional e olímpico brasileiro e uma estrela de Natal.  

Meados dos anos 70. A menina criada no bairro do Alecrim adorava brincar na rua, em tempos onde a violência urbana quase inexistia na cidade do Natal. Mas, brincar também era desafio. Não gostava de perder. Um salto e o esporte a encontrou pelas mãos da profa. Elizabeth Jatobá, que a convidou para jogar voleibol. O olhar clínico da mestra ao ver a menina Magnólia correr lhe chamou a atenção e, incontinenti, indicou a pupila ao prof. Lindomar, treinador da equipe de atletismo da escola. Magnólia foi participar de sua primeira competição oficial: o JERNs de 1976. Tornou-se, então, uma ex-jogadora de vôlei.

Começou a competir no 100m e 200m, em razão do seu desenvolvimento biológico ainda na puberdade. Na categoria mirim, corria descalça e, embora sem treinamento específico para essas provas, deixou de atingir o índice dos 100m para o Brasileiro absoluto por um centésimo, atraindo o olhar do prof. Armando Lima, exímio caça talentos e treinador da seleção de atletismo do RN.

Em 1977, participou do primeiro Norte/Nordeste Absoluto, ainda como mirim, vencendo os 100m, 200m e os revezamentos 4x100m e 4x400m. Logo depois, o primeiro brasileiro no Rio de Janeiro e, aos 13 anos, foi convocada à seleção brasileira para participar do Sul-Americano em Montevideo, junto com o outro potiguar Roberto Bezerra. Lá, foi bronze em duas provas.

Há de se reconhecer que não é comum, em nenhum esporte, se chegar à seleção adulta com idade de atleta mirim. Façanha? Proeza? A estrelinha de Natal começava a reluzir. No tempo em que Eva Góis e Ana Maria Cavalcanti Morais eram os maiores nomes do atletismo feminino potiguar, Maria Magnólia surgiu com Penélope Brito, sua amiga de infância, para dominar o cenário das provas de velocidade no Estado.

Em 1979, fez sua primeira competição na Europa, ao participar da Copa das Nações, em Lille/França. Quando retornou, com status de atleta de seleção brasileira, recebeu uma placa de reconhecimento do município de Natal, no intervalo de um jogo de futebol entre o ABC x Vasco, com a participação especial de Rivellino, pelo clube potiguar.

Passou a ser adotada pela Alpargatas S/A, não como empregada, mas recebendo material esportivo da Topper.

A partir daí, Maria Magnólia foi conquistando seu espaço no cenário esportivo nacional, correndo e deixando para trás o insistente preconceito com os atletas nordestinos. Dividiu, até 1986, os treinamentos com Armando Lima e José Figueiredo, com quem casou aos 18 anos, em 1981, sendo ele, o marido e treinador, quem enxergou o potencial dela para provas de 400m e a oportunidade de se tornar uma atleta olímpica. Aquilo soou como música aos seus ouvidos, tornando-se especialista na prova e, quatro anos depois, estabeleceu o até hoje recorde brasileiro feminino mais longevo em provas olímpicas, alcançado em Roveretto/Itália, em agosto/1990, com o tempo de 50s62(*).

Magnólia já havia batido este mesmo recorde em uma das eliminatórias em Seul, sua iniciação em jogos olímpicos. Também compôs a seleção olímpica de atletismo em Barcelona (1992), Atlanta (1996) e Atenas (2004), sua última participação e que é uma história à parte.

Em 1998, uma lesão no músculo piriforme - cicatrizes de pequenas lesões no tendão da perna que ela arrancava para correr – fez com que Magnólia saísse de cena, comprometendo, até mesmo, sua ida a Olimpíada de Sidney (2000). Uma conversa com o médico potiguar Maeterlink Rego a fez chegar ao Dr. Moisés Cohen, um dos três únicos especialistas no Brasil para tais lesões. O médico considerou a contusão grave e não recomendou a cirurgia. Magnólia, obstinada, assumiu o risco, convenceu o médico que ele teria a possibilidade de fazê-la voltar a correr, ir novamente aos jogos olímpicos e assinou termo de responsabilidade. Combinou com o médico Moisés Cohen que “se desse errado ninguém saberia quem foi o cirurgião, mas se desse certo ela divulgaria para o mundo”. Fez a cirurgia no dia que a delegação brasileira foi para Sidney e profetizou: daqui a quatro anos eu volto.

A volta foi difícil, ficou de muletas por um tempo e na reavaliação, a perna cirurgiada só tinha 29% de reação. Precisou reorganizar o planejamento da corrida e passar por adaptações para poder atingir o índice e isso foi muito treinado, não só no físico, mas a mente e a concentração.

Atenas/2004 passou a ser o foco de Maria Magnólia. Em Cochabamba/Bolívia, era a última oportunidade para alcançar o índice - na perna -, onde todas as demais atletas brasileiras concorrentes estavam presentes e melhor ranqueadas que ela. Ela voltava a um lugar onde havia competido há 25 anos. A atleta reconhecidamente fria, cujo planejamento sempre fez com que os resultados conquistados parecessem normais, vibrou pela primeira vez, pelo reconhecimento do seu esforço, e assumiu mais um recorde ao se tornar a mais antiga atleta do atletismo nacional a participar dos Jogos Olímpicos, aos 41 anos.

Em 1998, iniciou o projeto com a Universidade Potiguar – UnP (Prof. Paulo de Paula), de conectar os atletas carentes de atletismo a um ensino de qualidade. Esse projeto foi abraçado com maior afinco após Mag ter se aposentado como atleta de alto rendimento, em 2004. O objetivo do projeto, que continua ativo, é dar uma oportunidade para transformar novos meninos e meninas em cidadãos, contribuindo de alguma forma com a sociedade e, se possível, em grandes atletas.

Já fora das quadras, tentou uma carreira política com a proposta de fazer com que a educação pudesse modificar um pouco a realidade das camadas menos favorecidas. A decisão era informar para formar, e levar a mensagem de que é possível ser atleta e também planejar uma vida futura com menos sacrifício. Levar o esporte para os bairros, para os municípios, com um trabalho por trás, e não só esporte pelo esporte, mas um meio para encontrar um objetivo maior que é essa transformação de realidade. Mesmo sem ter conseguido um assento oficial nas casas legislativas, com o seu projeto social tem, naturalmente, feito política por princípio de retribuição pelo apoio que recebeu dos órgãos públicos ao longo de sua carreira.

A história de Maria Magnólia Figueiredo, por si só, já é digna de toda reverência. Uma vida esportiva e profissional limpa, participando de quatro olimpíadas de verão e escolhida, junto com Ayrton Senna, os melhores atletas do Brasil no ano de 1990, um orgulho imensurável, com o detalhe maior de que não precisou sair do RN para que toda a sua trajetória no esporte fosse possível, mesmo vinculada a um Estado sem fazer parte do eixo sul-Sudeste. Arraigada ao seu rincão, se tornou viajada, cosmopolita, conhecedora do mundo, sem esquecer a missão de ser mãe e esposa, de manter uma vida profissional paralela a ser o seu esteio ao encerrar a carreira de atleta.   

Na última postagem do ano, a homenagem do Blog do Kolluna a mais uma memória viva do esporte potiguar. Magnólia como uma magnólia, se fez reconhecer além das fronteiras do seu lugar natal e do seu país, e repetiu a passos largos o que já havia feito a pena do mestre Câmara Cascudo, reconhecido defensor das coisas da terra potiguar, no ensaio “O que diria o Sr. Graça Aranha”, in 24.08.1924, ao dizer “Veja a terra e nela faça residir o seu esforço”.    

(*) No troféu Brasil de Atletismo/2020, realizado neste mês no Centro Olímpico de São Paulo/SP, os 400m feminino foi vencido por Tiffani Marinho (Campinas/SP), bicampeã da prova, com o tempo de 52s95, marca muito distante do recorde de Magnólia.