
O Governo do Rio Grande do Norte, por meio de um relatório feito pela Controladoria Geral do Estado, reconheceu irregularidades no contrato firmado com a Casa da Ribeira para elaboração do projeto “Complexo Cultural Rampa: Arte. Museu. Paisagem”, que é alvo de investigação do Ministério Público (MPRN). Entre os pontos, a auditoria do órgão de controle destaca ausência de justificativa para o preço de contratação, falta de critérios para a contratação sem licitação e captação irregular de recursos. O contrato, que está suspenso, foi firmado por R$ 126,9 mil e autorizou a Casa da Ribeira a captar até R$ 7,47 milhões via renúncia fiscal.
A inspeção da Controladoria, finalizada em setembro passado, se dedicou ainda a esclarecer uma suposta falsificação de assinatura digital da servidora Carmem Vera Araújo de Lucena, ato que inaugurou todo o processo. Carmem não reconhece a assinatura. A Controladoria não apresentou informações conclusivas sobre a assinatura digital, mas ressaltou que outras servidoras “detinham conhecimento de sua senha”. O Ministério Público requisitou a instauração de um inquérito policial para apurar possível crime de “Inserção de Dados Falsos em Sistema de Informação”.
O promotor Afonso de Ligório, titular da 60ª Promotoria de Justiça de Natal, que conduz o caso, conta que o relatório apresentado pela Controladoria do Estado confirma as inconsistências encontradas pelo inquérito civil do MP. “Recebemos o relatório da Controladoria, corroborando as ilegalidades detectadas pelo Ministério Público. Depois do relatório da Controladoria, detectando as ilegalidades, esperamos que o governo rescinda voluntariamente o acordo de cooperação, pra evitar a discussão judicial”, afirma.
O documento apresentado pelo órgão de controle estadual revela que a contratação da Casa da Ribeira por R$ 129,6 mil pela Secretaria de Estado de Turismo (Setur) não foi fundamentada em pesquisa mercadológica e não demonstrou razoabilidade com a faixa de preço aceitável. “A Setur partiu do pressuposto errôneo que a simples demonstração de que a Casa da Ribeira vinha praticando preços similares seria suficiente para justificar o valor avençado entre as partes”, diz trecho do documento.
E completa: “Não foi detectada justificativa de preço amparada em ampla pesquisa de mercado. Constam nos autos meramente orçamentos comparativos da própria Casa da Ribeira, para objetos ditos semelhantes ao solicitado pela Setur, nos valores de R$ 167,9 mil, R$ 228,4 mil e R$ 298,1 mil”.
A Controladoria concluiu também que houve “inconsistências na definição do objeto”, isto é, a Setur – que era a responsável pela contratação – não sabia ao certo o que queria contratar. “Tal imprecisão e falta de clareza na definição do objeto indica um conhecimento precário acerca daquilo que a Administração pretendia verdadeiramente contratar”, diz a Controladoria. Ainda na avaliação da Control, a falta de critérios para nortear o acordo é um impeditivo para a dispensa de licitação, já que não é possível identificar a singularidade do que se deseja contratar.
“A fragilidade encontrada na sua descrição impacta na clareza do objeto, de modo que não foi possível identificar sua singularidade, elemento essencial à caracterização da inexigibilidade de licitação na hipótese do art. 25, II da Lei Federal nº 8.666/93”, pontua o relatório de inspeção.
Outro pilar da argumentação da Controladoria Geral do Estado diz respeito à captação de recursos por parte da Casa da Ribeira “em desacordo” com os prazos de vigência do Termo de Cooperação assinado entre a Setur e a Secretaria de Estado da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer (SEEC-RN). O termo foi formalizado entre as secretarias para viabilizar a implantação do projeto do Museu da Rampa. O documento diz que a Casa da Ribeira começou a captar dinheiro antes da assinatura do acordo de cooperação.
A assinatura do documento ocorreu em 14 de outubro de 2021 e a publicação em Diário Oficial ocorreu em 22 de outubro de 2021. No entanto, o Plano de Trabalho da Casa da Ribeira já encontrava-se em execução desde abril de 2021. “Ou seja, antes da celebração do Acordo de Cooperação. Imperioso ressaltar que a abertura do processo em análise somente ocorreu em 20 de agosto de 2021. Diante do exposto, infere-se que a Casa da Ribeira iniciou a execução dos trabalhos, incluindo a captação de recursos, antes da assinatura e da publicação no Diário Oficial, em desacordo com o prazo de vigência postulado na cláusula oitava”, destaca.
Relatório confirma investigação do MP
Os pontos verificados e as conclusões apontadas pelo Relatório de Inspeção da Controladoria Geral do Estado do Rio Grande do Norte vão ao encontro do que constam na recomendação do Ministério Público. Em junho deste ano, o MP recomendou a suspensão imediata do contrato entre Governo e Casa da Ribeira, o que foi prontamente atendido pelo Executivo estadual. O contrato está suspenso desde 10 de junho e a gestão do Complexo da Rampa passou para a Fundação José Augusto (FJA), que já administra teatros, bibliotecas, museus, escolas de arte, corais e outros equipamentos pelo Estado.
O promotor Afonso Ligório explica que caso não haja “rescisão voluntária”, o Estado pode ser denunciado na Justiça. Ainda não há nenhum tipo de denúncia. O MP aguarda uma decisão dos gestores públicos para concluir o processo. Fontes ligadas ao Ministério Público do Rio Grande do Norte criticaram uma eventual insistência do Governo para manutenção do contrato e veem risco de improbidade administrativa.
“Vamos supor que eu seja o gestor e recebo um parecer da Controladoria dizendo ‘eu não aceito nenhuma das desculpas que vocês deram aqui, isso está ilegal’ por que eu insistiria? Eu vou fazer na marra? Quando se toma essa decisão de atuar contra a orientação jurídica existe um risco grande de enveredar pela improbidade administrativa, uma vez que eu estou alertado que juridicamente aquilo está errado e eu vou fazer o contrário mesmo assim”, detalha.
O que dizem os citados:
A TN questionou o Governo do Estado sobre a possível rescisão do contrato com a Casa da Ribeira após as incongruências detectadas pela Controladoria. O presidente da Casa da Ribeira, Henrique Fontes, diz que não recebeu notificação oficial, mas confia na reativação do contrato. “A gente não recebeu uma resposta oficial dos órgãos de controle, estamos para saber nessa próxima reunião com o Governo do Estado, mas a gente entende que o contrato vai ser renovado, vai ser rearticulado”, afirma. Já o Executivo se pronunciou por meio de nota, reproduzida na íntegra a seguir:
“O Governo do Estado adotou as providências necessárias, no âmbito do controle interno e externo, na perspectiva de desenvolver o projeto, que recebeu novas contribuições após a audiência pública promovida pelo Ministério Público.
No tocante ao projeto do Complexo Cultural Rampa, a Casa da Ribeira incorporou, após a audiência pública, as sugestões do grupo histórico Rampa e vai acrescentar um capítulo do caderno expográfico, de maneira que o projeto fica mais completo, com integração do núcleo histórico da pesquisa sobre a Segunda Guerra Mundial. Trata-se de um desdobramento, sempre em juízo de trabalho dos órgãos de controle interno e externo, que o projeto está sendo complementado.
Essa complementação é exatamente para reabrir um novo diálogo com o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, com vista ao aperfeiçoamento do ponto de vista da instrumentalidade do processo, e também do conteúdo”.
Com informações da Tribuna do Norte