Um dos adjetivos usados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para classificar o arcabouço fiscal na última quinta-feira (30), foi “moderno”. Poucos minutos depois de apresentar, em linhas gerais, o novo conjunto de regras orçamentárias, o petista que comanda a economia do país estava visivelmente satisfeito em Brasília. A prévia do seu plano fiscal foi bem recebida pelo mercado financeiro e ganhou comedido elogio de Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central com quem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vive às turras por causa da alta taxa de juros. O Ibovespa (principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo) subiu quase 2% (1,89% para ser exato) e o dólar caiu de R$ 5,136 para R$ 5,098.
“É uma regra que compatibiliza o que era bom da Lei de Responsabilidade Fiscal com o que é bom de uma regra de gastos para que a trajetória da dívida esteja no rumo correto”, disse Haddad.
Pouco mais de 24 horas depois, o otimismo se evaporou, deixando o governo federal de guarda baixa para críticas do mercado, da oposição e da própria esquerda.
Na sexta-feira (31), o Ibovespa recuou 1,77%, arranhando os ganhos do dia anterior. Isso se deveu às incertezas do mercado com a nova âncora fiscal, que será encaminhada ao Congresso nesta semana. Um dia após Haddad e sua equipe se mostrarem efusivos com o próprio projeto de lei complementar, os investidores se perguntaram: ele está mesmo no caminho certo?
“A conta ainda não fecha. A nova regra apresentada tem um nível de complexidade superior ao teto de gastos vigente, tornando mais difícil a avaliação dos cenários. Em um cenário que consideramos mais razoável, com um crescimento do PIB mais próximo a 1,8% no médio prazo, a regra não é capaz de entregar os resultados primários nem de proporcionar a convergência da dívida pública, mesmo com a elevação de receitas. Isso só é possível se considerarmos tanto os parâmetros oficiais, que entendemos mais otimistas em termos de crescimento potencial, quanto medidas que aumentem as receitas de forma permanente a partir de 2024 acima de 1% do PIB”, considera Tiago Sbardelotto, economista da XP. “Percepção é de que a nova regra fiscal ‘não contou toda a história’. Embora o ministro tenha falado em medidas para incrementar receitas com a correção de distorções no sistema tributário, não foram apresentados maiores detalhes, exceto uma previsão preliminar de um ganho de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões. Assim, a regra apresentada não encerra a discussão sobre o orçamento dos próximos anos.”
Jansen Costa, sócio-fundador da Fatorial Investimento, também disse acreditar que “a história não está completa”. Por isso, segundo ele, o mercado reagiu de maneira mais intempestiva no segundo dia.
“Ao logo do tempo, a gente vai começando a tentar entender como o arcabouço vai funcionar, e não há uma visão muito positiva daquilo que foi proposto pelo Haddad. Se não acontecer o aumento da receita, vai piorar nossa relação com a dívida pública. O governo reclamava da regra fiscal anterior em função da flexibilidade do processo anticíclico. O que se entende é que a história não está completa. As projeções colocadas pelo próprio governo e pelos principais analistas do mercado preveem um crescimento do PIB entre 1,8% e 2% nos próximos anos. E a conta não fecha. Se não houver um aumento de arrecadação, com a despesa crescendo acima da inflação, a gente poderá ter problema de descontrole no futuro. O que Haddad coloca, de maneira não completa, é que vão ter novos setores que contribuirão com a arrecadação e também com a não criação de impostos, o que eu acredito que não seja verdade. Teremos novos impostos”, decreta. “O mercado vai começar a diferir e questionar como será o equilíbrio fiscal. Foi colocado pelo Haddad que parte da sociedade não paga impostos, e poderia haver novo equilíbrio na reforma tributária. A grande questão é: de onde vai sair esse equilíbrio? Se o mercado não tiver essas repostas, vai começar cobrar através da curva de juros. A conversa vai ser em outro tom, e a gente tende a realinhar as expectativas de inflação.”
Com informações de Jven Pan News