Eu prefiro Caloi

18 de Fevereiro 2022 - 13h20
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Dias desses, o podcaster Bruno Aiub, mais conhecido como Monark, foi cancelado e escorraçado do mundo virtual, hoje a cloaca do mundo.

Foi justo o justiçaamento?

Vejamos.

No podcast Flow, do qual era sócio, Monark criou polêmica quando entrevistava os deputados federais Kim Karaguiri (Podemos) e Tábata Amaral (PSB) e, em certo momento, defendeu a existência de um partido nazista no Brasil. O podcaster alegou que todos, de direita ou esquerda, ter voz. Para ele, a “esquerda radical tem muito mais espaço que a direita radical”, logo ambas são tratadas de forma diferente. E concluiu: “As duas tinham que ter espaço. (...) Eu acho que o nazista tinha que ter o partido nazista reconhecido pela lei” (https://www.youtube.com/watch?v=Qo2kYS2_XnI).

Contestado no ar por Tábata Amaral e depois da avalanche que sobre ele desabou, Monark se desculpou dizendo que foi “defender uma ideia que acontece em outros lugares do mundo, nos Estados Unidos, por exemplo”, mas que o fez “de um jeito muito burro, (...) de uma forma muito insensível com a comunidade judaica. Peço perdão pela minha insensibilidade” (https://www.youtube.com/watch?v=DKCCRyMWLYc).

Em 2015, um ano antes de sua morte, o italiano Umberto Eco, crítico acerbo do papel das novas tecnologias na difusão de informações, recebeu, em Turim, o título de Doutor Honoris Causa e, durante o discurso de agradecimento, em frente a colegas, professores universitários e estudantes, como que se despedindo, discorreu sobre o aligeiramento e a superficialidade das interações sociais nos dias que seguem. Segundo ele, a era da internet trouxe um drama, o de promover “o idiota da aldeia a portador da verdade. Normalmente, eles (os imbecis) eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel. Antes, os idiotas da aldeia tinham direito à palavra em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”.

Eco, autor de um texto consagrado na área de comunicação (Apocalípticos e Integrados), foi um dos mais profícuos intelectuais da segunda metade do século XX e início do século XXI e, como pensador que passou a vida inteira lendo e escrevendo sobre o homem e a sociedade, estava profundamente desencantado com os rumos que a comunicação tomou no mundo.

À época achei a posição de Umberto Eco um pouco elitista, pois pareceu querer calar opiniões, permitindo apenas aquelas emitidas por um grupo que detivesse o conhecimento na área a que a discussão estivesse restrita. Era, eu pensava, um evidente exagero que não parecia combinar com o autor de O nome da rosa. Ora, num regime democrático, imbecis e nobeis têm o direito à palavra. Permitir a estes e proibir àqueles, eu contestava, seria uma forma de censura. Porém, lendo mais detidamente o autor de Baudolino, não há na fala dele fragmento algum de censura. O que está dito é que a liberdade de expor um pensamento/ideia dialoga com a responsabilidade argumentativa, logo não deve servir a interesses espúrios ou à irresponsabilidade, mas tão-somente ao bem-comum sem que se cerceie o direito à liberdade de expressão. Em suma, a liberdade de expressão exige reflexão e responsabilidade e quando o caso é de interesse coletivo ou envolve conhecimento especializado, cabe aos que detêm o conhecimento da área serem ouvidos.

Muito antes de Eco dizer o que disse, Nelson Rodrigues, um de nossos mais brilhantes escritores, vilmente atacado pela esquerda por ser conservador e pela direita por ser obsceno, dizia que não nos afobássemos porque um dia “os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”. Numa crônica de 1968, Os idiotas sem modéstia, que está no livro O Óbvio Ululante, de forma magistral ele registra: “Os idiotas perderam a modéstia, a humildade de vários milênios. Eles estão por toda parte. São os que mais berram. O sujeito que passa numa esquina, numa retreta ou num velório é logo cercado de idiotas. As casacas são usadas pelos idiotas; as condecorações pingam dos idiotas. E, de mais a mais, são numericamente esmagadores. Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos”. 

Monark (eu só conhecia de nome até a polêmica acima referida) é o idiota de aldeia que Umberto Eco denunciou em 2015 e Nelson Rodrigues o fez quase cinco décadas antes. Mas ele não está mais sozinho. Ele é ele e milhões mais.

Tive uma Monark na primeira metade dos anos 1970 e uma Caloi na década seguinte. Antes esta àquela.