Demagogia da desgraça

22 de Maio 2024 - 18h58
Créditos: Montagem Internet

Desde que o temporal caiu sobre o Rio Grande do Sul, a tropa da demagogia busca, freneticamente, alguém para jogar a culpa.

The Intercept publicou texto, por esses dias, sobre um tal de capitalismo de tragédia, afinal o “capital se fortalece com as crises que ele mesmo fomenta” e, claro, a tragédia ambiental que se abateu sobre os gaúchos é responsabilidade do capitalismo, o qual tem como uma das facetas beneficiar-se da tragédia.

Para The Intercept, por exemplo, enquanto Porto Alegre ainda está embaixo d’água, com estrago imensurável, “o prefeito Sebastião Melo, do MDB, já anunciou o plano: irá contratar a consultoria Alvarez & Marsal para recuperar a cidade”, uma contratação, de acordo com o portal, tocante, tendo em vista um dos sócios da empresa ser um “gaúcho, porto-alegrense” sensibilizado “com o processo e nos procurou para ajudar”, disse Melo.

A Alvarez & Marsal, diz o portal de notícias, “não irá cobrar pelo trabalho nos primeiros seis meses – mas o plano já prevê atividades para além do período gratuito”.

O script de arrumar culpados segue o mesmo. A esquerda, de modo geral, quer uma pessoa para culpar ou apontar o dedo para o tal sistema, como se somente o capitalismo fosse o responsável por destruir tenazmente o ambiente. Dito de outra forma, “foi o capitalismo, e não a ‘natureza humana’, que matou nossos esforços contra as mudanças climáticas”, conclui The Intercept.

O capitalismo, claro, tem os seus defensores e os seus detratores. No momento, os seus capitães, naturalmente chefes da derrocada ambientalista que ora traga o Rio Grande do Sul, são o governador Eduardo Leite (PSDB), o prefeito de Porto Alegre Sebastião Melo (MDB) e os prefeitos não alinhados com o governo federal, os de direita (ou da extrema direita, afinal todos os da direita são extremados políticos, segundo a cartilha progressista) dizem os detratores do sistema.

Todos esquecem, por falta de memória ou por má fé, o tempo que a esquerda e especialmente o PT governaram o Brasil, o Rio Grande do Sul, Porto Alegre... Durante todo esse tempo, quanto foi investido na prevenção de inundações? E por que não foram elaborados planos de contingência para responder às catástrofes?

Paulo Pimenta teve o cinismo de dizer que as casas de bomba de Porto Alegre são de 1970 e que, de lá para cá, nada foi feito. Sem citar nomes, culpou os governos Temer e Bolsonaro.

O bi-ministro tem memória curta e, por isso, deve ter esquecido os governos Lula e Dilma, os governos Olívio e Tarso; bem como o fato de que a prefeitura de Porto Alegre esteve 16 anos, entre 1989 e 2005, nas mãos do PT. Não pode agora, dado o histórico de omissões,acusar governantes de outros partidos de não terem feito isso. É sórdido fazer luta política usando tais alegações. Todos – sociedade e governos de todos os partidos – somos responsáveis.

De 1990 até hoje o Rio Grande do Sul foi governado por Alceu Collares, do PDT, de 1991 a 1995; Antônio Brito, do PMDB, de 1995 a 1999; Olívio Dutra, do PT, de 1999 a 2003; Germano Rigotto, do PMDB, de 2003 a 2007; Yeda Crusius, do PSDB, de 2007 a 2011; Tarso Genro, do PT, de 2011 a 2015; José Ivo Sartori, do MDB, de 2015 a 2018; Eduardo Leite, do PSDB, de 2018 até os dias atuais. Foram, levando em consideração somente o PDT e PT, partidos notadamente de esquerda, doze anos de governos petistas e 4 do PDT, totalizando 16 anos de governos de esquerda em 34 anos.

De 1989 até hoje Porto Alegre foi administrada por Olívio Dutra, do PT, de 1989 a 1993; Tarso Genro, do PT, de 1993 a 1997; Raul Pont, do PT, de 1997 a 2001; Tarso Genro, do PT, de 2001 a 2002; José Verle, do PT, de 2002 a 2005; José Fogaça, do PPS/PMDB, de 2005 a 2010; José Fortunati, do PDT, de 2010 a 2017; Nélson Marchezan Jr., do PSDB, de 2017 a 2021; Sebastião Melo, do MDB, de 2021 até hoje. Utilizando o mesmo critério, PT e PDT como partidos de esquerda, estiveram por 25 anos à frente do executivo (8 anos do PDT e 17 do PT) em 35 anos.

Não dá, portanto, para debitar tudo o que ocorreu no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre na conta do tucano Leite (pouco mais de seis anos como governador) e do emedebista Melo (3 anos e meio como prefeito). Dizer que foi obra do capitalismo também explica pouco. O socialismo destruiu o mar de Aral (https://www.nationalgeographic.pt/meio-ambiente/pecados-do-mar-aral_469) (https://www.bbc.com/portuguese/vert-cap-45134455) (https://marsemfim.com.br/mar-de-aral-mais-um-mar-maltratado-e-pouco-conhecido/) (https://www.doisniveis.com/asia/asia-central/por-que-o-mar-de-aral-se-tornou-um-deserto/).

A arte de arrumar culpados de forma muito rápida por desastres é uma atitude muito pouco rigorosa. Especula-se muito em cima de terreno movediço, ainda mais movediço quando os interesses políticos e eleitorais começam a tomar forma.

É hora de reconstruir grande parte do Rio Grande do Sul, sem prejuízo de encontrar soluções para evitar que novos desastres do tipo venham a ocorrer na mesma dimensão e capacidade.

A primeira parte será feita. Suspeito que sendo o Brasil o que é, a segunda não será e, algum tempo depois, estaremos novamente chorando pelo que não fizemos e arrumando novos culpados, desde que não sejamos nós e nossos aliados.

 

Por Sérgio Trindade