A quem serviu a polarização política?

17 de Agosto 2019 - 10h50
Créditos:

Já escrevi aqui que a polarização política não era boa estratégia para o Partido dos Trabalhadores, que nela investiu e nela quer permanecer, como indica a escolha de Lula, que resolveu manter Gleisi Hofmann à frente dos destinos da agremiação.

A polarização na qual apostou o PT, desde o final dos anos 1990, opunha o partido de Lula ao PSDB, ambos representantes, com nuances, da social-democracia tupiniquim.

Foram oito anos de Fernando Henrique, que venceu Lula por duas vezes (1994 e 1998), e oito de Lula, que bateu José Serra e Geraldo Alckmin, em 2002 e 2006. Seguiram-se quatro anos de Dilma, que venceu José Serra, e seriam mais quatro anos da primeira presidente, após a vitória sobre Aécio Neves, quando sobreveio o impeachment, em 2016.

A aposta petista era que o confronto se dava entre Estado forte versus Estado neoliberal, uma farsa gigantesca, afinal os dois partidos tinham e têm mais convergências do que divergências, que quando existem são pontuais, cosméticas.

O PT apostou num discurso fraudulento, o da reinvenção do Brasil e que, para chegar ao sucesso que se avizinhava, o cidadão brasileiro não deveria permitir o retrocesso, como, por exemplo, a volta das privatizações, possivelmente a única diferença mais séria entre petistas e tucanos.

O PSDB caiu no conto do vigário e escondeu o ex-presidente Fernando Henrique, durante as campanhas de Serra (2002 e 2010) e de Alckmin (2006). Somente na campanha de Aécio, em 2014, o tucanato resolveu assumir a identidade parcialmente privatizante dos anos 1990.

O resultado para o partido que nasceu da costela do velho PMDB, na segunda metade da década de 1980, foi um discurso morno, em 2002, insosso em 2006, quando Alckmin conseguiu a proeza de ter menos votos no segundo turno do que tivera no primeiro, e a ciclotimia da campanha de Serra, em 2010, quando o partido tentou uma guinada muito à direita.

Ao assumirem a identidade em 2014, acatando a polarização proposta pelo PT, Aécio Neves chegou ao segundo turno com chances reais de bater Dilma.

E por quê?

Por uma questão, primeiro, relativamente simples: o partido subiu a rampa do Planalto à bordo do Plano Real e o manteve nos dois mandatos de FHC. E parte do sucesso de Lula, nunca é demais reforçar, deve-se à estabilidade econômica conquistada às duras penas por meio do Plano Real.

Segundo, mesmo as privatizações, a despeito de erros que tenham sido cometidos, mudaram significativamente as condições econômicas do país, evitaram a quebra da Embratel, tornaram a Vale uma das maiores do mundo no setor e garantiram à Embraer condições para competir em igualdade de condições com gigantes do setor.

Aécio mostrou as duas coisas: o Plano Real e as privatizações foram uma construção e marca do tucanato e trouxeram benefícios para o país.

Muito do que Lula colheu foi plantado por seus antecessores, Itamar e Fernando Henrique – e mesmo por José Sarney, o donatário do Maranhão. Ou seja, a colheita do “nós”, como os petistas se referem a si mesmos, foi plantada por “eles”, como são designados os adversários do petismo pelos petistas mais estreitos e caolhos.

Terceiro, apostar na polarização e desmerecer os valores de adversários legítimos abriu a brecha por onde entraram grupos políticos, organizados e desorganizados, que não têm nenhuma vergonha de se assumirem como adversários, e até inimigos, do petismo, vereda que permitiu a Jair Bolsonaro abrir caminho em direção ao Palácio do Planalto.

A luta que hoje poderia se dar em torno de ideias passou para o terreno da agressão e segue, célere, rumo ao silenciamento do outro, a saber, de todos aqueles que discordam de propostas extremistas.

A civilização, por ora, só pode ser vislumbrada pelo retrovisor.