A greve dos professores e a casta dos juízes, promotores...

19 de Abril 2024 - 07h29
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O brasileiro médio não tem, mesmo, a menor noção do que é e do que não é essencial, como a briga por fatias do orçamento que se transformam em salários e gratificações de funcionários públicos demonstra.

Pipocam greves nas universidades e institutos federais e acompanhando as manifestações nas páginas da mídia corporativa, em blogs e sites e nas redes sociais, verifico, sem me surpreender, a indignação de grande parte da população brasileira com a suspensão das aulas.

Sou professor há duas décadas do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e nunca fiz uma greve, por um motivo simples: o instrumento foi desgastado pelo seu mau uso. Isso, porém, não me impede de verificar que os pleitos de algumas delas eram legítimos e a radicalização até necessária (talvez um dia, quando estiver menos enfastiado, escreva sobre).

É o caso da greve deste ano, a primeira que testemunho, desde que sou professor da rede federal, com o IFRN e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) juntos, na mesma trincheira.

Não é segredo que servidores das universidades e institutos federais votaram em peso no Presidente Lula, em 2022. A questão não é de fazer ou não fazer o L, afinal o achatamento salarial vem de Dilma a Lula, passado por Temer e Bolsonaro. Os dois últimos, por sinal, não deram um mísero centavo de reposição salarial aos servidores das instituições de ensino federal. Deixo claro que aqui escrevo sobre professores que vivem de salários. Estão fora, naturalmente, os que são brindados com mimos colossais a que o vulgo chama de bolsas. E creiam, são muitos (um dia escrevo sobre os afagos que essa turminha descolada recebe).

O que me causa maior espanto é a gritaria de muitos com a greve por aumento salarial requerido pelos servidores administrativos e professores das universidades e dos institutos, que repõe as perdas de anos, e o imenso silêncio quando a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprova, sorrateiramente, a volta de regalos para juízes e promotores/procuradores, para que suas excelências possam furar o teto salarial do funcionalismo público (https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2024/04/17/ccj-do-senado-aprova-pec-que-garante-aumento-de-5percent-a-cada-5-anos-nos-salarios-de-magistrados-do-judiciario-e-do-mp.ghtml; https://www.cnnbrasil.com.br/politica/ccj-do-senado-aprova-pec-que-propoe-bonus-para-magistrados-procuradores-e-promotores/; https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/04/17/ccj-do-senado-aprova-pec-dos-quinquenios-que-da-bonus-a-juizes-promotores-e-procuradores.htm).

A diferença entre um professor titular (final de carreira nas universidades e institutos federais, a qual só se chega com doutoramento) e um juiz é bem significativa. O primeiro recebe R$ 19.000; o segundo, R$ 36.000. Parece-me justo o que ganha um juiz, mas a diferença dele para um colega funcionário público federal responsável por formar gerações de profissionais das mais diversas carreiras é exorbitante e deveria, em qualquer governo, ser corrigida. Talvez só uma reforma administrativa séria leve a cabo a tarefa. Que se comece, então.

Deveria o professor ganhar mais? Sim. Mas o erário comportaria subir o salário dos docentes até próximo ao salário de um juiz? Certamente não. Como resolver a equação, respeitando a legislação vigente? Ou o teto de gastos, a lei de reponsabilidade fiscal e tudo o mais serve para barrar a reposição salarial dos servidores federais, mas não serve para impedir agrados para tribunais e ministério público?

José Murilo de Carvalho (A construção da ordem e Teatro das sombras), Raymundo Faoro (Os donos do poder), Sérgio Buarque de Hollanda (Raízes do Brasil), entre outros, mostram como os cofres públicos existem, desde os tempos mais remotos de nossa história, para servir aos interesses de privilegiados que não se cansam dos privilégios que auferem às custas da imensa maioria dos que pagam impostos.

 

Por Sérgio Trindade