A culpa não é da imprensa

31 de Agosto 2019 - 11h02
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A relação do poder com a imprensa nunca foi, no Brasil, das mais amistosas.

Para não ir muito longe no tempo citarei, de forma sucinta, como se deu nos oito anos de Fernando Henrique, nos oito de Lula e nestes primeiros meses do governo Bolsonaro.

Logo que assumiu o governo, apesar do clima de consenso que predominou no início do primeiro mandato, o Presidente Fernando Henrique e sua equipe partiram do pressuposto de que a esquerda em geral e o PT em particular exerciam muita influência nas redações e que, por isso, a relação com repórteres não seria das mais fáceis.

Os atritos com a imprensa começaram cedo, como expõe FHC nos seus Diários da Presidência, ao reclamar do grupo Globo e principalmente das atitudes da Folha de São Paulo.

O ex-Presidente Lula teve, durante boa parte dos seus oito anos de poder, relação com a imprensa que ia de tensa à conturbada, passando por momentos de extremismo, o maior quando Lula, depois de acusado, em matéria publicada pelo jornalista Larry Rohter no The New Yoirk Times, de beber demais e, com isso, virar alvo de preocupação nacional, ameaçou expulsar o jornalista norte-americano.

O caso Lula-Rohter acabou sem a expulsão do jornalista mas com uma nódoa na biografia do então Presidente brasileiro.

Atualmente, o Presidente Bolsonaro acusa imprensa e oposição de atuarem de forma desleal e anti-patriótica.

A qualidade da democracia deve ser julgada pelo papel que nela desempenham oposição e imprensa. Tratarei do papel da oposição em outro momento. Fico, por ora, com o papel da mídia e sua relação tensa com o atual ocupante do Palácio do Planalto.

Uma frase atribuída a Millôr Fernandes retrata com precisão qual deve ser o papel de uma imprensa verdadeiramente livre. Diz Millôr: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados.”

O jornalista Alberto Dines, falecido em maio de 2018, segue a toada de Millôr ao afirmar que o papel da imprensa “como instrumento da liberdade de expressão é ser o contrapoder”, pois é por meio dela que se antecipam e se mobilizam corações e mentes, de forma massiva, para denunciar e combater quaisquer manifestações de tirania, autoritarismo e hegemonia que ameacem as liberdades individuais.

Dizer o que digo acima não inocenta a imprensa brasileira, como bem diagnosticou Millôr Fernandes, em 1980. Para ele, a “imprensa brasileira sempre foi canalha”, pois conseguiu evoluir, e bem, do ponto de vista técnico, mas ainda patina “do ponto de vista ético, moral e social”.

Ser ruim porém não significa ser dispensável, pois não existe governo democrático sem imprensa livre.

A hostilidade à imprensa aproxima dois dos mais destacados líderes dos polos ideológicos opostos, o ex-Presidente Lula e o atual Presidente Bolsonaro. Ambos não escondem a animosidade contra os meios de comunicação de massa e, por tabela, os laivos autoritários que os dominam.

Estabelecer boa relação com a mídia é crucial para evitar tensões e crises facilmente evitáveis. Cometer erros bestas torna o governo vulnerável e há uma lei de ferro na política que não pode e não deve ser esquecida: que começa forte, poderoso e autoritário tem de se manter forte, poderoso e autoritário sempre. E para isso não pode errar, pois se o fizer denunciará posição de fragilidade e, assim, será bombardeado.

A culpa do bombardeio por vezes está em casa.