A Constituição e as Forças Armadas

31 de Maio 2020 - 21h05
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A quinta parte da Constituição Federal, mais precisamente o artigo 142, registra que as “Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

Um bom aluno de ensino básico sabe que a segurança externa do país cabe às Forças Armadas e isso está nitidamente exposto no referido artigo constitucional. A elas cabem também, nos estados de defesa e de sítio, a coordenação das polícias militares, civis e guardas municipais.

No entanto, há muitos pontos de interrogação quanto à atribuição delas de, sob demanda de qualquer dos poderes constituídos, garantir a lei e a ordem.

Há juristas que defendem que se um dos poderes for atropelado por outro, pode solicitar às Forças Armadas que ajam como poder moderador e reponham a lei e a ordem.

As Forças Armadas, notadamente o Exército, tiveram importante papel na deposição do imperador D. Pedro II e, durante quase toda a República, de 1889 a 1985, foram uma espécie de poder moderador, sem necessariamente envolver-se diretamente na política, mas quase sempre intervindo todas as vezes em que os poderes constituídos se mostrassem débeis e/ou em conflito.

Depois do impeachment de Fernando Collor, em 1992, o Brasil deixou de olhar para as Forças Armadas como poder moderador.

A partir de 2015, porém, na esteira dos movimentos de rua que resultaram no processo de impeachment de Dilma, e com cada vez mais intensidade, manifestações mais exaltadas vêm exigindo uma tal intervenção militar constitucional, aparentemente um paradoxo.

O Direito não é uma ciência exata e, assim, existe margem para várias interpretações da letra da lei.

Há quem veja na parte final do artigo 142 da CF licença para que as Forças Armadas tutelem a ordem política, ou seja, responsabilizem-se por zelar pelas instituições quando lideranças políticas, juízes e cidadãos civis as desestabilizem.

Já disse em muitos momentos que acho Luís Carlos Prestes uma legenda política do século passado e um trapalhão em vários momentos da história brasileira.

São muitas as passagens também em que Prestes foi um analista perspicaz de nossa história. Uma delas demonstra um profético Cavaleira da Esperança.

Quando da promulgação da Constituição de 1988, um Prestes já nonagenário demonstrou uma lucidez incrível, ao sublinhar o efeito deletério do artigo 142.

Para ele, o enunciado do artigo era incompatível com um regime democrático, pois garantia o predomínio das Forças Armadas na direção política da nação: “Como podem os militares se submeterem aos poderes constitucionais e ao mesmo tempo garanti-los?”.

O governo Bolsonaro tem dado sinais de que a Constituição permite a tal intervenção militar constitucional, demonstrando que a relação entre militares e civis estabelecida pela Constituição de 1988 não mudou muito do que estava dado no texto outorgado em 1967, quando o presidente da república era o marechal Castello Branco.

A história um dia dirá se o dispositivo constitucional é ou não uma das fontes da instabilidade política que vivemos.