
Talvez seja possível compreender que, diante de certos conflitos, as pessoas assumam lado e ofereçam lá suas razões e justificativas para dizer o que dizem, mesmo que alguns ditos soem estranhos.
São absurdos e certamente desprovidos de sentido, porém, exceto para quem vive numa realidade paralela e tem caráter ambíguo e controverso, comentários que circulam na internet: “URGENTE!! Israel acaba de bombardear e destruir outro prédio na faixa de Gaza! Nos últimos meses Israel invadiu 15 cidades e matou cerca de 10 mil palestinos mas a imprensa não mostrou. Hoje os terroristas neonazistas de Israel têm o pretexto perfeito pra continuar o GENOCÍDIO com amplo apoio internacional.” (grifos nossos)
Comentários do tipo são comuns na internet desde que Israel reagiu ao ataque terrorista do Hamas.
Antes que qualquer apressadinho antissemita venha dizer qualquer coisa por aqui, adianto: não quero e não vou discutir o conflito entre judeus e palestinos. Sou de beber, e até sou bom de copo, mas não tenho a calma e o tato dos diplomatas, notadamente daqueles que creem ser possível acabar com conflitos de séculos e até de milênios batendo papo numa mesa de bar, em volta de copos de chopps acompanhados de pururuca e filé com fritas.
O assunto aqui é outro.
Chamar os outros de fascistas e nazistas (e de comunistas) perdeu inteiramente o sentido, como é possível constatar pelos “argumentos” acima, pois os termos foram banalizados e perderam inteiramente o sentido. Hoje são apenas insultos vazios proferidos por estúpidos que quase sempre são aquilo que dizem dos outros.
Quantos deles conseguiriam explicar o que foram o nazismo e o fascismo?
Assisti na TV, no final de semana, cadáveres vilipendiados, mulheres e crianças impotentes arrastadas e exibidas como bichos por homens com metralhadoras, corpos de famílias inteiras ao longo das estradas... e tento juntar isso com as manifestações abertas que endossam esse ato como legítima defesa dos palestinos ou mesmo aquelas que, cheia de não-me-toques, impõem conjunções e mais conjunções para explicar e, pior, justificar a barbárie.
No ensaio Educação após Auschwitz, Theodor Adorno, um dos expoentes da Escola de Frankfurt, disseca traços da sociedade alemã à época do nazismo e diz que a educação deve estar comprometida em coibir a barbárie e em evitar o surgimento de regimes autoritários. Diz o filósofo que a exigência para que Auschwitz “não se repita é primeira de todas para a educação. De tal modo ela precede quaisquer outras que creio não ser possível nem necessário justificá-la”.
Para Adorno, a barbárie é por vezes banalizada e até mesmo praticada inconscientemente por muita gente e é a falta de esclarecimento sobre como os meios de dominação agem frequente e sutilmente no indivíduo com personalidade ou temores reprimidos que desencadeia a violência legitimada e justificada pelo contexto histórico.
Como indivíduo eu não tenho que fazer nenhuma das escolhas que essa tropinha pretensamente descolada e entendida de tudo expõe, porque minha alma não admite o pavor daquelas pessoas assassinadas ou sequestradas pelo primitivo e incivilizado armado simplesmente porque não é possível admitir como legítimo o direito de reação de um povo baseado na barbárie e no terror.
Se na causa em questão não cabe racionalidade e principalmente compaixão, meu caro, não estamos definitivamente do mesmo lado. E isso conta ponto para mim.