Pesquisadores do RN criam equipamento de baixo custo que auxilia reabilitação pós-AVC

18 de Agosto 2021 - 12h35
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Pessoas que sofreram um Acidente Vascular Cerebral (AVC), popularmente conhecido como derrame, podem ser afetadas por déficits motores nas mãos e até mesmo perder os movimentos completamente. Pensando nisso, pesquisadores do Instituto Santos Dumont  (ISD) desenvolveram um equipamento leve e de baixo custo que, se utilizado na reabilitação, poderá ajudar a recuperar os movimentos de extensão e flexão dos dedos nesses indivíduos. Enquanto os equipamentos geralmente utilizados para a reabilitação dessas pessoas podem custar até 50 mil dólares, o desenvolvido pelos pesquisadores do ISD tem um custo de cerca de 120 dólares, 140% mais barato do que os atualmente encontrados no mercado. 

Para produzir o dispositivo, foi utilizada uma técnica de impressão 3D associada a tecidos. O resultado é o HERO (Hand Exoskeleton for Rehabilitation Objectives), um exoesqueleto vestível para mão com objetivos de reabilitação. No mês de junho, os pesquisadores publicaram o código de impressão na revista científica Frontiers in Neuroscience. A partir dele, qualquer um poderá fazer a impressão do exoesqueleto projetado pelos pesquisadores, e a tecnologia deverá se tornar cada vez mais acessível às clínicas de reabilitação. 

O HERO é baseado na Interface Cérebro-Máquina, uma das linhas de pesquisa da Neurociência que conecta o cérebro a um dispositivo eletrônico. Para utilizar o equipamento, os pacientes vestem o exoesqueleto no braço e um eletroencefalograma na cabeça. Nela, são conectados eletrodos de captação do sinal cerebral, assim, mesmo um paciente com perda total dos movimentos da mão consegue controlar e movimentar o dispositivo apenas ao imaginar o movimento, graças à transferência desses sinais cerebrais para o HERO.

“Hoje em dia, os equipamentos padrão ouro para reabilitação custam em torno de 10 a 50 mil dólares. Esse custo acaba sendo totalmente inacessível para os pacientes, e a intenção era baratear o tratamento. O que a gente fez foi utilizar a impressão 3D com uma tecnologia nova de manufatura com tecidos e, assim, a gente conseguiu reduzir o custo para cerca de 120 dólares, que daria em torno de 600 reais. É um equipamento acessível e que pode até ser utilizado para reabilitação em casa”, explica o neuroengenheiro potiguar Rommel Araújo, autor do artigo “Development of a Low-Cost EEG-Controlled Hand Exoskeleton 3D Printed on Textiles” [Desenvolvimento de um Exoesqueleto 3D Impresso em Tecidos Controlado por EEG, em tradução livre], publicado na revista científica Frontiers in Neuroscience em junho de 2021. 

Projeto

O projeto HERO resultou em um dispositivo leve, simples, portátil e de baixo custo. Seu uso não se restringe a um ambiente clínico. Desse modo, os usuários poderão realizar o treinamento motor com o dispositivo em hospitais, clínicas de reabilitação e em casa, aumentando o tempo de intervenção. Isso pode apoiar a reabilitação motora e melhorar a qualidade de vida dos sobreviventes de AVC. 

AVC 

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a formação de um déficit neurológico súbito causado por um uma falha nos vasos sanguíneos do Sistema Nervoso Central. Segundo a Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares (SBDC) cerca de 70% das pessoas acometidas por AVC não conseguem ter condições de retomar as atividades profissionais. Em decorrência das sequelas que o quadro deixa, os pacientes perdem a autonomia e acabam precisando de cuidadores para realizar tarefas diárias.

Segundo o professor-pesquisador do ISD, Fabrício Brasil, as principais abordagens para recuperar os movimentos em pacientes com AVC são medicação e fisioterapia, mas outras técnicas podem ser incluídas. “O exoesqueleto HERO é uma tecnologia que pode melhorar os resultados e recuperar movimentos de pacientes que perderam completamente o movimento das mãos, pois mesmo em sobreviventes de derrame que geralmente danificam as vias de comunicação neural, ainda existe a capacidade de realizar o que a gente chama de imaginação motora, na maioria dos casos. Além disso, o alto custo de tratamento pode fazer com que os pacientes tenham acesso apenas às terapias convencionais”, ressalta. 

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (2015), estima-se a ocorrência de 2.231.000 milhões de casos de Acidente Vascular Cerebral (AVC) no Brasil, e a ocorrência de incapacidade grave está presente em 568 mil desses casos. 

Interface Cérebro-Máquina

A Interface Cérebro-Máquina é uma metodologia que tem o objetivo de conectar sinais cerebrais e dispositivos eletrônicos. “Ela permite que a gente consiga captar o sinal cerebral, processe e retire desse sinal os atributos necessários para interagir, por exemplo, com uma máquina ou computador”, explica o professor Fabrício Brasil. 

A tecnologia permite que se faça o registro das atividades elétricas do cérebro, que são decodificadas por meio de algoritmos e traduzidas em sinais de linguagem de máquina. Dessa forma, o indivíduo é capaz de ter controle do dispositivo eletrônico a partir do processamento dos comandos dados pelos sinais cerebrais. 

Inovação aberta

O artigo do projeto do exoesqueleto HERO é uma produção científica de metodologia, e o dispositivo não possui patente. A intenção dos pesquisadores é criar um movimento colaborativo, em que qualquer pessoa tenha acesso ao código de impressão do equipamento. 

“Nós optamos por não criar uma patente para que qualquer pessoa, em qualquer lugar, possa acessar o artigo e imprimir o exoesqueleto, fabricar e utilizar por conta própria. A gente acredita que deixando ele aberto, é possível aumentar a colaboração e as chances desse equipamento ser produzido a baixo custo e assim, diminuir a distância entre as pessoas que precisam de uma tecnologia dessas e a academia”, conta o pesquisador Rommel Araújo. 

Próximos passos

O projeto que desenvolveu o exoesqueleto HERO, já aprovado e publicado, foi testado em um voluntário saudável. Agora, os pesquisadores têm a perspectiva de desenvolver um estudo clínico com pacientes que possuem a incapacidade motora nos dedos, além de desenvolver o equipamento para comercialização, através da criação de uma startup

“A ideia agora é a gente otimizar esse projeto para que a gente consiga deixá-lo o mais confortável possível para o uso do paciente, utilizar ele com pessoas que já sofreram o AVC  e que precisam de uma intervenção de reabilitação. Queremos avaliar como o exoesqueleto se comporta e qual o resultado da utilização dele associada a fisioterapia”, explica Rommel. 

Mestrado em Neuroengenharia 

HERO é um projeto desenvolvido pelo Engenheiro Mecânico, Rommel Araújo, durante os dois anos que passou pelo Mestrado em Neuroengenharia do Instituto Santos Dumont. O programa de pós-graduação é ofertado no Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra (IIN-ELS), em Macaíba/RN e é gratuito. Os processos seletivos ocorrem duas vezes ao ano para alunos graduados nas áreas da saúde, engenharias e biológicas.