PAULO CUNHA OU UMA ODE AO BASQUETE

17 de Abril 2024 - 05h07
Créditos: Montagem Internet

Há alguns dias o esporte amador, em especial, o basquetebol do Rio Grande do Norte, perdeu um de seus mais proeminentes nomes. Com quase 88 anos, aquele que ainda não foi suficientemente elogiado e reconhecido, Paulo Cunha nos deixou. É verdade que nos deixou carregado de boas memórias – aos que tiveram o prazer de desfrutar da convivência de sua nobre pessoa. Ficou conhecido como Seu Paulo, acho que nunca pela idade, que evidentemente demandava respeito, mas por sua magnanimidade.

Não consigo perceber relevância em falar da forma como Seu Paulo partiu. Ou melhor pensando, existe importância apenas quando se percebe que até neste derradeiro momento o velho lutou. Descobri, por meio de seus filhos, que foram 8 meses internado, depois de sofrer um AVC. Imaginem só como apenas isso já denota a fortaleza daquele que marcou a vida de muitos atletas e ex-atletas do Rio Grande do Norte. Acho que o maior atributo de Seu Paulo foi sua história, seu legado, deixado no íntimo do coração de cada atleta ou pessoa que teve a oportunidade de partilhar momentos únicos com ele.

Tenho um orgulho imenso de ter convivido com Seu Paulo e ter podido receber as melhores influências possíveis dele, ainda que não as tivesse percebido e as executado no momento certo.

Não resta dúvida alguma de que Seu Paulo foi o maior nome do esporte da bola ao cesto na história do Rio Grande do Norte. Ainda que a maioria dos atletas hoje em atividade não tenha tido o prazer de vê-lo jogar, ou de ter sido conduzido por ele, essa é uma constatação bastante sólida e pertinente, por tudo o que Seu Paulo fez e representou. Eu mesmo só o vi em torneios de veteranos no início dos anos 90. Mas ainda recordo, com viva memória, Seu Paulo recebendo efusivos aplausos dos assistentes de seus jogos quando executava seus marcantes arremessos de gancho.

Em relação a isso, nunca será demasiado lembrar que tais arremessos talvez sejam os tecnicamente mais complexos de serem executados para os jogadores de basquete, por uma série de detalhes que não interessam aqui. Só os vimos serem realizados com tamanha eficiência e fluência por outros dois dos maiores nomes da história do basquetebol mundial: Kareem Abdul-Jabar e Magic Johnson. Só isso já serve para dar uma pincelada do nível em que Seu Paulo chegou.

Sua generosidade era tão grande que ele fazia questão de tentar ensinar os seus famosos ganchos para nós, seus atletas. Evidentemente tais ensinamentos surtiram um efeito limitado em um ou outro, mas nada perto da formosura que era os verem sendo executados por Seu Paulo.

Não tenho medo algum de dizer que Seu Paulo foi um grande evangelizador do basquete e da atividade física, desde quando esta não era moda. Tenho a impressão de que ele já notava que o esforço sobre si mesmo, sobre suas fraquezas, é de seminal importância na constituição do indivíduo. Rememorando suas atitudes fica perceptível que ele compreendia que nos tornamos nosso grande inimigo, quando nos deixamos levar pelo prazer imediato e baixo, pelo ganho sem esforço, pelo vitimismo, ou simplesmente por não tentar sermos melhores do que nossa versão de ontem. Seu Paulo era a completa antítese disso tudo.

É, e será sempre, difícil falar de um homem do qual praticamente só restam e algumas fotografias e muitas memórias, posto que as pessoas que não tiveram a sorte de conviver com ele e não têm o recurso das imagens e vídeos, que hoje em dia pululam por aí, para comprovarem o que a memória nos diz. Mas ainda assim também tenho plena consciência que me é impossível descrever, com o devido cuidado, os feitos e a personalidade deste homem. Minha verve sempre será pobre e insuficiente para dar conta do impacto de Seu Paulo em nossas vidas.

Quando Seu Paulo chegava aos ginásios para assistir aos jogos, já ficava evidente que teríamos um bom analista daquilo que faríamos em quadra, bem como palavras de reconhecimento, conforto e direcionamento condizentes com o que merecíamos.

Tenho como uma grande frustração pessoal não ter conseguido proporcionar aos meus alunos que ouvissem um pouco dos ensinamentos de Seu Paulo. Por mais que há pelo menos uma década projetasse convidá-lo para oferecer um breve seminário aos jovens. Sinto muito por não ter conseguido proporcionar tal oportunidade aos meus alunos. Teriam muito o que aprender. “Mea cupa, mea maxima cupa

Ademais de tudo isso, não recordo de ouvir alguém falar algo que desabonasse Seu Paulo, em nada, nem nunca ouvi uma palavra de ressentimento proferida por ele. No mundo do esporte, no Brasil, isso é praticamente impossível.  Como decorrência disso, e parafraseando ninguém menos que São Paulo, em Timóteo 4:7-8, é bastante factível pra mim afirmar que Seu Paulo lutou o bom combate.

Curiosamente, ao falar das qualidades intrínsecas ao homem Paulo Cunha sou levado necessariamente a falar de suas qualidades como professor e atleta de basquete. Assim como ao falar de sua relação com o Basquetebol termino por falar de seus predicados pessoais. Uma coisa leva irremediavelmente a outra. Aquilo que pode parecer paradoxal para alguns, em mim guarda uma coerência avassaladora. Pois, ele levou o estado da arte a sua plenitude. Ensinar basquete para ele, era sem dúvida alguma tentar munir seus atletas com instrumentos para suportarem o peso da vida.

O amor que Seu Paulo nutriu pelo basquete era um amor pela vida justa e digna. Tenho certeza que ele sabia que o basquetebol imita a vida. Ele sabia que o esforço, e as consequentes frustrações que inevitavelmente passamos enquanto atletas nos serviriam na vida. E serviram.

Não tenho medo algum de dizer que o basquete me deu tudo o que consegui: algumas amizades verdadeiras e duradouras, o sentido da dor, o sentido da necessidade de se ter foco e disciplina pessoal, o sentido dos desafios para que sejam superados, da necessidade de repetição e aperfeiçoamento, do reconhecimento de nossas próprias limitações. E se o esporte me deu isso, foi por meio de Seu Paulo. Ele sempre foi um grande luminar pra mim. Certamente não o deixará de ser.

Uma das minhas imensas alegrias era encontrar Seu Paulo em algum ginásio da AABB quando eu ia praticar o que ele tinha me ensinado, mesmo depois de já não competir mais: treinar, treinar...e treinar. Acho que disse uma ou duas vezes pra ele que fazia isso por influência única e exclusiva dele. Ele conseguiu infundir isso em inúmeras pessoas. E, digo por mim, se o faço ainda hoje, Seu Paulo é o “culpado”.

Quem o conheceu sabe que ele era aficcionado por fundamentos. Ele inculcou isso em mim e muitos outros, muito melhores do que eu. Mas até nisso ele conseguiu promover algo que ultrapasse as linhas da quadra. Uma vez que precisamos de alicerce em tudo. Nada na vida pode ser construído sem uma base forte. Nesse sentido, tais fundamentos nos serviram no fortalecimento da resiliência para o dia-a-dia.

Toda a vida de Paulo Cunha foi uma Ode ao Basquete e a vida nobre, honrosa e boa. Esse amor rareia hoje...é fora de moda. Mas falamos com entusiasmo de Paulo Cunha, porque não podemos deixar de lembrar às próximas gerações de jogadores de basquete, ou simplesmente de jovens, que procurem uma luz de farol que os ajude a navegar no mar tempestuoso da vida com mais tranquilidade.

Seu Paulo foi um desses imensos faróis.

Não canso de falar que devemos subir nos ombros desses gigantes, e olhar o que fizeram. Com Seu Paulo fica nítido que temos os nossos, na vida cotidiana, no esporte, no basquete.

Que Deus em sua infinita misericórdia receba Seu Paulo em sua morada.

Já imagino ele e seus ganchos no céu.

 

 

Prof. Luiz Roberto