O que é bom a gente mostra e o que é ruim a gente esconde

20 de Setembro 2022 - 08h39
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Muitos devem ter esquecido, mas muitos outros hão de lembrar de Rubens Ricúpero, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e que assumiu o Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal no governo de Itamar Franco, sendo posteriormente transferido para o Ministério da Fazenda quando o titular da pasta, Fernando Henrique Cardoso, afastou-se para disputar a Presidência da República.

Coube a Ricúpero conduzir o Plano Real em sua fase de transição de moeda e foi justamente no posto que ele proferiu a célebre frase: “Eu não tenho escrúpulos. Eu acho que é isso mesmo: o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”.

Lembremos do caso, para depois irmos ao centro da questão que quero apontar.

Rubens Ricúpero, reconhecidamente um homem decente, foi massacrado, em 1994, pelo Partido dos Trabalhadores e seus satélites – incluindo parte da mídia, e teve de pedir demissão porque no intervalo entre duas entrevistas (a primeira para o Jornal Nacional e a segunda para o Jornal da Globo), concedidas a Carlos Monforte, da TV Globo, fez algumas considerações sobre a economia brasileira, a inflação, o IBGE, a Petrobras e a possível eleição de FHC, entre outras coisas.  A conversa era informal, no entanto, sem que os participantes soubessem, estava sendo captada por antenas parabólicas. Em dado momento, o Ministro discorria sobre o conflito entre o governo e alguns setores da economia por causa dos preços e expôs que o país tinha reservas e, se preciso, recorreria às importações como forma de segurar os preços e impedir qualquer repique inflacionário. E arremata: “Eu preciso conversar com eles (...). Esse pessoal tem toda aquela corporação de economistas, um troço complicado. E vão dizer: ‘Pô, você proibiu da vez anterior, que era ruim. Agora que é bom…’ No fundo é isso mesmo. Eu não tenho escrúpulos. Acho que é isso mesmo: o que é bom, a gente fatura; o que é ruim, esconde” (https://www.youtube.com/watch?v=M9DLxSclz6w).

Ricúpero não disse nada demais, não confessou crime, não admitiu que iria deitar e rolar, como já se chegou a dizer privada e publicamente no Brasil. Como todo homem de governo (ou de gestão, se preferirem), ele disse faturar o que é bom e esconder o que é ruim. Alguém faz diferente? Não. O pessoal que monopoliza a virtude isolou a frase “eu não tenho escrúpulos” e foi para cima de Ricúpero. O alvo, porém, era outro – Fernando Henrique Cardoso, então candidato tucano ao Palácio do Planalto e adversário do candidato do PT, Lula.

Vinte e oito anos depois, números do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e do Exame Nacional de Desempenhos dos Estudantes (ENADE) divulgados e a turma que sentou a pua em Ricúpero, em 1994, faz o mesmo percurso. E de forma mais cínica.

Primeiro, o IDEB.

O Rio Grande do Norte teve o pior desempenho, em 2021. Só para mostrar, por cima, os números da tragédia, o Rio Grande do Norte obteve 2,8 como média, desempenho bem abaixo das médias brasileira (3,9) e nordestina (3,8). 

O Paraná obteve o melhor desempenho do Brasil entre estudantes de escolas estaduais (4,6). Mesmo estados nordestinos do porte do Rio Grande do Norte tiveram desempenhos melhores – Paraíba (3,9), Alagoas (3,5), Sergipe (3,9) e Piauí (4,0).

O desempenho é muito ruim, e não é de hoje. Em 2020, quando foram divulgadas as notas de 2019, o Rio Grande do Norte teve nota 3,2. Um pouco acima da deste ano, 2,8. Já naquele momento, o estado dividia as piores colocações com Amapá, Bahia e Pará; agora, está sozinho na lanterna.

Ideb por unidade da federação - Rede Estadual - 2021

A Secretaria Estadual de Educação apresentou argumento, digamos, sagaz para justificar a própria derrota: as notas do IDEB não podem ser comparadas, pois alguns estados implantaram “aprovações automáticas em 2021, próximas de 100%, alavancando e distorcendo seus IDEB, por isso é inadequado comparações entre entes federados”. E completou: “A boa notícia é de que nas escolas da rede, especialmente nos níveis Fundamental 2 e Médio não houve queda relevante na aprendizagem de matemática e houve avanço na aprendizagem em língua portuguesa”, havendo “crescimento constante na aprendizagem entre 2013 e 2021” (http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/rn-tem-o-pior-ensino-ma-dio-paoblico-do-brasil-aponta-ideb/547496).

A governadora Fátima Bezerra, certamente já conhecendo o desastre educacional do estado, disse em programas de entrevistas em noticiosos televisivos, quando confrontada com a má situação do estado (antes, friso, de os números do IDEB virem a público), que a pandemia foi a grande responsável pelo fato. Os dados do IDEB apontam que a situação foi pior do que seria possível imaginar, porém o secretário de educação, professor Getúlio Marques e sua equipe, conseguiram “demonstrar” que o Rio Grande do Norte está bem, apenas os números é que não confirmam isso. Faltaram antenas parabólicas para captar os bastidores da secretaria comandada por Getúlio.

Dias depois dos desastrosos números do IDEB, aparecem os do ENADE.

O indicador deste exame é calculado a partir dos desempenhos dos estudantes concluintes de cada curso de graduação avaliado. A avaliação foca nos conteúdos que os futuros profissionais precisam dominar e nas competências desenvolvidas durante o seu processo de formação.

Instituições que tiveram os seus alunos avaliados, principalmente as públicas, não deveriam usar de seus canais de comunicação para maquiar ou esconder os números para a sociedade que lhes sustentam. Mesmo as instituições privadas que recebem verbas públicas deveriam pôr nos seus canais de comunicação os números reais. Ambas lidam diretamente com dinheiro do Estado, com numerário advindo do pagamento de impostos e, desta forma, devem prestar informações límpidas e claras àqueles que as sustentam. Não é o que ocorre.

Recebi de um colega informação sobre uma dessas instituições que deveriam deixar gestores nus, como na fábula de Hans Christian Andersen. Fui verificar, ontem à noite, a informação – não por duvidar do que me disse o colega, mas para identificar alguma outra, digamos, falha na transparência da comunicação. Foram 18 cursos superiores avaliados, mas a notícia mostra apenas aqueles que tiveram nota 4 ou 5, omitindo a informação dos demais; cursos que tiveram conceito 2 e 3 sumiram da planilha veiculada. Onde está a transparência que deveria reger a atuação de gestores públicos?

Por que foi assim?

Porque o bom a gente mostra e o ruim a gente esconde. A mesma lógica de Rubens Ricúpero, praticada por aqueles que o criticaram e que, certamente, continuariam a criticá-lo publicamente, mesmo fazendo exatamente como ele fez. A diferença é que Ricúpero agiu como homem de Estado que lidava com informações cruciais do Estado, diferentemente dos nossos gestores educacionais.

Esse pessoal que está à frente do setor educacional no estado, nas três esferas, não resistiria a 30 segundos de antena parabólica.