Imbecis e intelectuais

22 de Maio 2023 - 07h20
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Crítico do papel das novas tecnologias no processo de difusão de informação, o escritor e teórico da literatura e da linguagem Umberto Eco disse, há oito anos, quando recebia premiação de doutor honoris causa numa universidade de seu país que as redes sociais deram voz ao imbecil da aldeia. Eco já havia posto a TV como instrumento de elevação do idiota de aldeia ao patamar no qual se sentia superior. A internet, porém, criara um drama, pois elevara “o idiota de aldeia a portador da verdade”.

O dito de Eco ecoou especialmente na internet, na imprensa e nas universidades e resultou em algumas ótimas reflexões sobe as ilusões de nossa empolgação pelas mídias digitais.

Posteriormente, em entrevista concedida à imprensa, o escritor disse não ver a internet como espaço adequado para “fazer a crítica da vida, porque o trabalho crítico significa filtrar, distinguir as coisas, ao passo que a internet é como o personagem do [escritor argentino Jorge Luís] Borges, Funes, memorioso: ela lembra de tudo, não esquece nada. Seria preciso exercer essa crítica – filtrar, distinguir –  sobre a própria internet. Eu sempre digo que a primeira disciplina a ser ministrada nas escolas deveria ser sobre como usar a internet: como analisar e filtrar informações. O problema é que nem mesmo os professores estão preparados para isso. Foi nesse sentido que eu defendi recentemente que os jornais, em vez de se tornarem vítimas da internet, repetindo o que circula na rede, deveriam dedicar espaço para a análise das informações que circulam nos sites, mostrando aos leitores o que é sério, o que é um hoax, por exemplo. Será que os jornais estão prontos pra isso? Seria preciso ter gente especializada em diversas áreas. Obviamente, sendo você um conhecedor de Aristóteles, você consegue reconhecer se um site é bom ou não, mas você não poderá fazer o mesmo com um site sobre teoria das cordas. A crítica da internet exige um novo tipo de expertise, mesmo para os jornais. E isso é muito importante para os jovens, pois eles não têm, aos 15, 16 anos, os conhecimentos necessários para filtrar as informações a que têm acesso na rede. Ora, assim como quem lê diversos jornais acaba aprendendo a distinguir abordagens distintas da parte dos jornais, os jovens hoje precisam aprender a buscar essa variedade de abordagens nos sites que frequentam.” (https://www.fronteiras.com/leia/exibir/umberto-eco-e-a-legiao-dos-imbecis-na-internet)

A barbárie, a insanidade e a intolerância avançam e atropelam aqueles que se recusam a se dobrar aos idiotas de aldeia, aqueles que por conveniência ou ignorância querer pisar e esmagar quem se levanta contra as suas bandeiras ideológicas, sempre apresentadas com sinais diametralmente opostos e excludentes. E eles, os idiotas de aldeia, alvejam e são alvejados pela tchurma da trincheira oposta, também idiotas de aldeia. Não satisfeitos em se alvejarem, atiram em quem se recusa a empunhar as bandeiras por ele levantadas.

É impossível não concordar com Umberto Eco e seguindo o mesmo fio devemos reconhecer que a internet deu voz a todos e ampliou um problema que existia de forma limitada.

A internet e as redes sociais inauguraram, é bom ressaltar, uma nova Era, a dos autodeclarados intelectuais, juristas, filósofos, quase todos polígrafos. Alguns rancorosos especializados em espalhar a própria infelicidade e que, sem a internet e as redes sociais, estariam esquecidos em sua irrelevância.

Amplificando o que sempre existiu, a internet amplia a Ágora e demonstra que na democracia de massas os eleitores não aceitam apenas votar. Querem falar, querem, falando bobagem ou não, ser ouvidos e têm meios para isso.

O fenômeno é inerente ao ordenamento político e em meio ao trigo (intelectuais sérios, cidadãos corretos e jornalistas respeitáveis) está o joio (aproveitadores, gente de mau-caráter, maus profissionais, intelectuais e influencers digitais). Todos eles que se expõem mais e por isso são mais criticados.

Mais ativo e mais barulhento, o joio tem tido mais influência nas redes sociais. E no seio do jogo, os presumidos intelectuais posam de oráculos e de vestais. A diferença deles para os outros que habitam o campo está apenas nos diplomas e na pose hierática.