Falácias sobre a imprensa

05 de julho 2019 - 16h43
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Vira e mexe, algum político ou intelectual ou artista ou cidadão comum saca uma generalidade sobre o comportamento da mídia, dizendo-a golpista, fascista, comunista, vendida e por aí vai.

A postura indica a nossa veia autoritária, o nosso desconforto com o contraditório, o nosso incômodo com a liberdade.

Fiquemos somente nos dois presidentes mais importantes do período pós-redemocratização, Fernando Henrique e Lula.

Nos “Diários da Presidência”, Fernando Henrique mostra a relação tensa que teve com a mídia, notadamente a “Folha de São Paulo” e as “Organizações Globo”.

No volume 1 dos “Diários...”, as reclamações do tucano com a “Folha de São Paulo” abundam. Segundo o ex-presidente, ela dá muitas notícias desfavoráveis ao seu governo. Por vezes, FHC exaspera-se com o que chama de excessos do jornal paulista e questiona, em conversa com o Antônio Carlos Magalhães, a forma como as novas gerações conduzem as “Organizações Globo”, preocupadas apenas em “ser contra”.

Luiz Inácio Lula da Silva e principalmente parte do partido dele não tiveram relação das mais amistosas com a mídia. São emblemáticas da tensão, as tentativas de manter controle sobre o setor e a investida para expulsar Larry Rother, correspondente do The New York Times no Brasil, porque o jornalista escreveu matéria sugerindo que Lula teria problemas com o álcool.

O que poderia ser um debate sobre a leviandade de Larry Rother transformou-se num incidente internacional, pois em questão de horas, após a desastrada atitude do presidente, jornais de todo o mundo, que publicaram matérias louvando a ascensão do operário que chegou a presidente, começaram a apontá-lo, acertadamente, como intolerante e autoritário.

Depois de deixar o Palácio do Planalto, Lula disse, na França, que a nossa imprensa adora denunciar político, “mostrando a cara dele noite e dia nos jornais”. E completou vil e levianamente que a imprensa não denuncia banqueiros, porque são “eles que pagam a publicidade da mídia”. A fala do ex-presidente insinuava que isso ocorre porque jornalistas não querem apurar e publicar fatos que envolvem os anunciantes.

Não houve muitas manifestações contrárias à fala de Lula, provavelmente por uma razão simples: políticos, como indico acima com o próprio Lula e com FHC, gostam de falar mal da mídia. Os dois, claro, não estão sozinhos na peleja. O comportamento é epidêmico. Basta um veículo cobrar explicações sobre os malfeitos deles ou de seus partidos que logo investem contra a reportagem.

Ao desqualificarem os profissionais que cumprem com suas atribuições, Lula, FHC e outros mais esquivam-se lançando a culpa que carregam na costas da imprensa, como se houvesse uma certa má intenção de repórteres, editores e empresários da comunicação com eles.

Repito, Lula não é o único, embora seja useiro e vezeiro na arte de desconversar e desqualificar a mídia, e como fez e ainda faz isso com frequência, os seus arroubos quase já não geram mais notícia.

A fala de Lula na França, acima citada, exala desconhecimento do campo midiático e, mais, não tem base factual, pois não foram poucas as matérias jornalísticas sobre banqueiros metidos em malfeitos. Só pra refrescar a memória, por anos a fio foram expostas as trambicagens nas quais estiveram presentes Edemar Cid Ferreira, Kátia Rabelo, Salvatore Cacciola, Sílvio Santos e outros mais.

Há mais: os bancos privados não são, nem de longe, os maiores anunciantes do Brasil, segundo consta no “Mídia Dados”. Alguns deles são superados por bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal ou Banco do Brasil, mas os grandes anunciantes mesmos são gigantes da indústria.

É preciso, ainda, reconhecer que a mídia tem acertado mais do que errado, denunciando casos escabrosos de desvios de recursos públicos, quase todos confirmados por investigações rigorosas de autoridades do Ministério Público e do Poder Judicário.

Por último – e mais importante, os maiores anunciantes de TVs, jornais e revistas são os governos federal e estaduais. Anunciam mais do que o setor industrial e bem mais do que o setor financeiro, e nem por isso deixam de ser citados desfavoravelmente na imprensa.

A fala de Fernando Henrique Cardoso e os vitupérios de Lula retratam apenas o mal-estar de quem é pego em situação constrangedora.

Há uma frase atribuída a Millôr Fernandes que deve exprimir o papel da imprensa no mundo. Para Millôr, “jornalismo é oposição; o resto, armazém de secos e molhados”.

Por isso, não caia na ladaínha dessa turma reclamona. Saiba, à imprensa interessam os anunciantes. O mais importante para ela, porém, é a confiança do público. Sem isso, os anunciantes voam.