De Ministro a Poste a Ministro

06 de Março 2023 - 11h26
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Fernando Haddad já foi Ministro da Educação e por duas vezes Poste, quando candidato vitorioso a Prefeito de São Paulo (2012) e, depois, a Presidente da República (2018). Atualmente senta na cadeira de Ministro da Fazenda e sofre ataques dos companheiros liderados por Gleisi Hoffmann, presidente do Partido dos Trabalhadores (PT).

Na queda de braço com a gerente do PT e seus aliados, Haddad saiu vitorioso. É o que diz parte da imprensa, refletindo muito mais uma manifestação de wishful thinking do que propriamente uma expressão da realidade (https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2023/03/02/governo-poe-panos-quentes-na-tensao-entre-haddad-e-gleisi-a-espera-de-novos-rounds.htm; https://oglobo.globo.com/blogs/lauro-jardim/post/2023/03/as-conversas-dificeis-de-haddad-com-lula-e-gleisi-sobre-a-reoneracao-dos-combustiveis.ghtml; https://veja.abril.com.br/coluna/radar/petistas-apoiam-haddad-e-deixam-gleisi-boicotar-sozinha-a-fazenda/). Ora, o atual Ministro da Fazenda não pode ser vendido como alguém que  disputa alguma coisa contra nada. Ou todos esquecemos quem foi o vitorioso na última eleição presidencial?

O PT é, no Brasil, o único partido político orgânico. Os seus principais líderes não atuam sem priorizar o cálculo político. O pragmatismo é grande, sem a menor concessão aos aliados. Por sinal, o PT não tem e não quer aliados, mas vassalos. E por ser e agir assim, emplacou Lula, uma espécie de síntese partidária, como líder e ele, hoje, mais pragmático, centralizador e autoritário que o partido, tornou-se sua maior expressão. Até maior que a agremiação partidária da qual é parte.

Dentro do PT, como de qualquer partido, e dentro do governo, como de qualquer governo, há conflito. No atual governo de Lula, ele, o conflito, se estabelece entre os que defendem agenda desenvolvimentista e os mais ortodoxos; aqueles tomados por sanha populista e estes mais afeitos à disciplina fiscal. Para que não caiamos no wishful thinking, ou seja, no pensamento desejoso, o cenário precisa ser exposto como realmente é e não como gostaríamos que fosse. E para tal, é necessário identificar o papel desempenhado por Haddad na trama política.

Muito se fala sobre os motivos que levaram à definição do ex-Ministro da Educação e ex-Prefeito de São Paulo para o Ministério da Fazenda. Há quem aponte que Haddad seria, desde sua indicação para a Fazenda, o escolhido pelo PT para a disputa presidencial de 2026. É possível, mas o possível não é o mesmo que provável, pois para ele se gabaritar para por a faixa presidencial duas coisas são necessárias: o fracasso do governo e Lula ceder a vaga.

Lula já ensaia uma tentativa de reeleição. Já disse algo sobre isso e se ele quiser ser o candidato do PT, o PT não lhe negará a legenda, pelos motivos sobejamente conhecidos. Mesmo ele, para se gabaritar, precisa fazer o governo dar certo e, por ora (é cedo para dizer qualquer coisa sobre o sucesso ou fracasso do governo iniciado há menos de três meses), os sinais de revés, em virtude de algumas das escolhas feitas e do histórico de opções equivocadas do PT desde o segundo mandato de Lula, começam a aparecer. Sem o sucesso do governo, nem Lula, nem Haddad; fracassado o governo, Lula não será candidato e, aí, pode ser que Haddad seja o nome do partido, com chances pequenas de subir a rampa.

Fernando Haddad desempenha uma espécie de papel diplomático no atual governo. É o petista palatável, o “mais tucano entre os petistas” (https://g1.globo.com/globo-news/noticia/2012/10/lobo-haddad-foi-o-mais-tucano-dos-petistas-que-lula-conseguiu-para-sp.html), conforme dizem políticos de diversas tendências. Ele já se prestou ao papel de Poste em 2012 e em 2018; agora atua como personagem de um teatro que pretende criar suspeita e, ao mesmo tempo, esperança. Experiência, no quesito, portanto, não falta ao atual Ministro da Fazenda

Então, meus caros dois ou três leitores, não existe uma vitória de Haddad. Crer nela serve apenas para alimentar a quimera de uma disputa interna, mas, ao fazê-lo é endossada a possibilidade de que alguém sem autonomia e poder para tal dobre a natureza do PT e do próprio Lula. Mais, sugere que Haddad, petista convicto e fiel a Lula, entre em rota de colisão com o partido ou com seu líder, a quem sempre defendeu e apoiou e por quem nutre quase certa adoração.

O atual governo não é o primeiro e não será o último com viés nacional-desenvolvimentista e populista. Para que o entendamos é crucial que a realidade seja vista como é: a vitória de Haddad é e sempre será a vitória de Lula – por ele concedida. As derrotas também.